A capacidade como ângulo de análise

A capacidade como ângulo de análise

18/12/2015 2 Por Joao Cunha

Por questões académicas e sociais, tenho vistas abordadas questões relevantes sobre o futuro da rede ferroviária nacional e o papel que a capacidade física instalada na nossa rede atual tem nesse desenvolvimento. Há três dimensões no desenvolvimento da competitividade do meio ferroviário: o da expansão geográfica da rede, o da melhoria das condições de circulação na rede (velocidade, rampas, entre outras) e, finalmente, o da capacidade instalada.

Hoje debruço-me portanto sobre a questão da capacidade. A capacidade é definida pela interseção de variáveis críticas do sistema. Desde logo, a dimensão da capacidade física existente – quantas vias de circulação ou quantas estações para cruzamentos ou ultrapassagens. Depois, a outra grande dimensão é a sinalização – quantos comboios se podem permitir em simultâneo sem que isso resulte numa diminuição da fiabilidade e performance dos comboios em circulação. Há ainda várias outras: o tipo de condução (daí que em vias de metropolitanos extremamente congestionadas, uma das opções primordiais tem sido a automatização), o tipo de circulações existentes (se são mais homogéneas no tipo e condições de circulação ou se são mais heterogéneas), e outras haverão para elencar.

Ora esta questão da capacidade é especialmente relevante quando olhamos para os próximos vinte anos, pois quer o programa em curso (por definir e por concretizar) com o horizonte 2020, quer o programa que se lhe seguirá para o período 2020-2030, terão certamente de apresentar soluções sólidas e credíveis para o correto dimensionamento da rede ferroviária nacional. De facto, de pouco servirá pensar em vias de alta performance (ler: velocidade permitida e cargas rebocáveis), se estas depois não apresentarem a disponibilidade e a capacidade de absorção de tráfego que os grandes objetivos que se colocam ao setor subentendem.

Depois de se terem enterrado os projetos de linhas de alta velocidade, e com o trauma generalizado que as famosas PPP rodoviárias trouxeram a lume no que diz respeito a impactos do investimento público, assumiu-se tacitamente que a rede nacional podia ter problemas de abrangência geográfica e problemas de performances, mas que a urgência não estava do lado da capacidade.

Tomando como exemplo o principal eixo ferroviário do país, a linha Lisboa – Porto, constata-se que resulta do nível de tráfego existente a impossibilidade de encurtar mais os tempos de viagem, e não de uma qualquer prometida renovação adicional ou correção de traçado. Na realidade, o famoso argumento contra a existência de uma segunda linha neste eixo é precisamente aquele que indiretamente mais pode contribuir para a sua realização: a ideia de que uma viagem Lisboa – Porto em 2h15, pela linha do Norte, será suficiente para a nossa dimensão e procura.

Abstraindo-me de qualquer argumento relacionado com a vantagem ou não de ganhar uma hora de viagem sobre este tempo, as 2h15 comprovam a míngua capacitária da infraestrutura existente, desde logo porque esse tempo, que supõe um ganho adicional de 20 a 25 minutos face aos tempos atuais, não é atingível sem repercussões severas nas restantes circulações – um dos maiores dramas para a gestão da capacidade é a heterogeneidade de circulações, e aumentando a velocidade de um tipo de circulações, aumenta a distância entre os vários tipos de comboios que circulam diariamente.

Na realidade, a justificação de uma nova linha no corredor Lisboa – Porto será sempre mais forte pelo lado da capacidade disponibilizada do que pelo lado da velocidade de ponta, pois será sempre muito mais importante defender o caráter estruturante da linha como vértebra fundamental da rede para o tráfego de cariz urbano, regional e de mercadorias, do que defender uma meta especialmente ambiciosa para o tráfego de passageiros de longo curso. Mesmo neste último caso, o argumento da insuficiência de  tráfego parece ser desmentido pela realidade e pela oferta musculada da CP neste eixo, mesmo com um tempo que ainda ronda as 2h45 entre Campanhã e Santa Apolónia.

As lacunas nesta dimensão são suficientes para, por si só, obrigarem a uma reflexão sobre a necessidade de desenvolvimento da nossa rede. Para além do número de vias de circulação, existem constrangimentos severos na capacidade disponível pelo número e extensão das estações de várias linhas de via única fundamentais na comunicação com Espanha – Minho e Beira Alta. Em Sines, um problema que parece que estará resolvido até 2021, a atual linha tem sérias dificuldades de absorção do tráfego atual e é mais do que duvidoso que possa acompanhar em devida regra o desenvolvimento previsto nomeadamente nos terminais de contentores. Até porque há em linhas como Sines ou Beira Alta uma segunda dimensão, relativa à performance, que impacta de forma brutal a capacidade da linha: a necessidade de operar comboios mais curtos e mais leves, o que naturalmente se traduz num número superior de circulações.

Tenho a sensação de que a Infraestruturas de Portugal sabe que pelo menos parte do antigo plano de Alta Velocidade terá de ver a luz do dia, seja como linha exclusiva para tráfegos de passageiros, seja como linhas mistas de nova geração. Está longe de ser só uma preocupação de ligar dois pontos mais rapidamente do que na atualidade, para ser sobretudo uma expansão física da capacidade instalada.

A única governante que nos últimos anos foi capaz de explicar à sociedade civil a razão pela qual um país como o nosso pode mesmo precisar de alta velocidade Lisboa – Porto fê-lo com um argumento dos mais simples e, por isso, dos mais entendíveis. Atualmente na ferrovia só existe a Nacional 1. Seria impensável hoje em dia ir de Lisboa ao Porto se não houvesse também a A1. Na ferrovia, falta pelo menos a A1. Atualmente os “camiões” mais pesados, as “carreiras” e os “expressos”, andam todos na Nacional 1 e já existe uma restrição à circulação das mercadorias. Se o objetivo é realmente ter uma rede ferroviária capaz de operar altos volumes de tráfegos de mercadorias, olhar pelo menos para o seu eixo mais importante é, antes de mais, racionalidade económica pura.