Comunicar ou fazer?

Comunicar ou fazer?

27/05/2016 0 Por Joao Cunha

Seis meses passaram da tomada de posse do Governo e a questão que se coloca é: este governo quer comunicar ou fazer?

Não que não possam fazer as duas coisas, mas foram para já seis meses marcados por intensíssima comunicação sem grande ligação com realizações ou sequer expectativas concretas. Obviamente não vou aqui ensaiar uma análise política, o que pretendo é cingir-me à ferrovia.

Se o governo anterior se pautava já por anunciar investimentos sem os concretizar, este não só não fica atrás como o ultrapassa a grande velocidade. Em apenas seis meses, o plano de investimentos foi apresentado três vezes – e sempre ao abrigo de novos nomes, novos programas e novos momentos de comunicação. Inicialmente PETI3+ (como na legislatura anterior), logo a seguir como Plano Ferroviário e, finalmente, como um capítulo fundamental do PNR – o famoso plano de reformas (chamemos-lhe assim).

Sobre os investimentos continuamos a saber, aproximadamente, a mesma coisa. Houve apenas uma clarificação – na Beira Alta, é a modernização integral que avança e é prioritária. Mas a linha Aveiro – Mangualde é para se fazer, assim o queira a União Europeia. Resta saber como se convence a UE a financiar com um bónus um país que continua longe de dar garantias de seriedade orçamental.

Nas operações de transportes públicos a comunicação escondeu um negócio que podia e devia ter tido outro escrutínio – uma pena que PCP e Bloco de Esquerda tenham perdido a habitual acutilância parlamentar e que CDS e PSD estejam num estado letárgico. Afinal de contas, a reversão dos transportes no Porto terminou com um prolongamento da concessão do Metro do Porto, por ajuste directo e sem ouvir mais nenhum candidato, ao operador anterior – e um por um preço superior ao da nova concessão. Operador esse que é detido pela Barraqueiro que conseguiu entretanto receber uns cobres adicionais pela TAP, dando ao Governo a possibilidade de dizer que tem a maioria do capital dessa empresa mas mantendo todos os poderes executivos intactos. Podemos ter curiosidade sobre alguma possível relação entre ambos os negócios?

Na capital, também se fica sem saber o que acontecerá à Carris. Como se financiará a necessária renovação da frota, entre outras questões fundamentais.

No Parlamento, a maioria pede a reposição de comboios até Badajoz e entretém-se desde então a pedir na praça pública o seu regresso. Para que serve uma maioria se não para legislar no sentido pretendido? Será mais conveniente manter votos de recomendação para prolongar um jogo duplo dentro e fora das portas do parlamento, consoante o interlocutor seja mais racional economicamente ou mais emotivo no tópico em apreço? Fico sem saber se a intenção é dizer que se apoia uma ideia ou se é mesmo implementá-la.

Ao mesmo tempo, os planos para aumento da frota do Longo Curso estão parados, paradinhos. Ao mesmo tempo que a CP vai somando passageiros e proveitos neste segmento, a sua frota vai envelhecendo e contorcendo-se cada vez mais para dar resposta a uma procura galopante. Se não é para aluguer material a Espanha, qual a solução? É que para deixar o carro em casa lá para 2020, é preciso muito mais do que comunicar essa intenção. É preciso efetivamente implementar algo que o possibilite.

Para já, impedir a expansão de serviços lucrativos e, indubitavelmente, os mais capazes de gerar alguma liquidez à empresa pública parece ser a pior das decisões. A não ser que a intenção seja fazer publicidade aos méritos de uma possível futura privatização. Nesse caso, estão a fazer tudo bem.

Bom fim de semana e boas viagens de comboio.

João Cunha