O papel da ferrovia num hinterland aeroportuário
12/02/2016Assunto muito estudado e com vastíssima bibliografia científica à disposição, as variáveis de que depende a área geográfica influenciada por uma determinada infraestrutura (o hinterland) são vastas e muitas vezes com uma relação de causalidade difícil de concretizar ou quantificar.
Vem isto a propósito das recentes polémicas sobre o aeroporto do Porto e onde a minha opinião é de que alguns dos temores sobre a importância daquela infraestrutura fundamental para o Norte do país podem ter uma resposta em variáveis diversas que não apenas as que dependam da abrangência territorial que determinada companhia aérea, no caso a TAP, coloca à disposição com as suas rotas baseadas no Porto.
Já o escrevi e repito que uma das maiores consequências do desmando em que o Estado entrou no final da década passada foi o trauma relativo a projetos de infraestruturas públicas. Na realidade, o desmando aconteceu por uma totalmente errada definição de prioridades num governo de Sócrates que até conseguiu planos estratégicos muito abrangentes e muitos deles com sentido, mas acabou a executar rapidamente obras de planos pouco lógicos e pertinentes, cujos exemplos estão demasiado presentes para necessitarem de ser relembrados.
Ora isto no aeroporto do Porto significou o abandono de um projeto fundamental para o futuro daquela infraestrutura aeroportuária. Embora nunca tenha sido completamente concretizado, o projeto de uma linha mista de altas prestações ligando o Porto a Vigo previa uma passagem pelo Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Não estava concretizado se era via ramal terminal ou se completamente integrado no eixo, mas era uma das pedras de toque da grande estratégia nacional para valorização do território e das diversas infraestruturas intermodais.
Não discuto que a TAP possa oferecer escala ao aeroporto do Porto que lhe dê uma capacidade de, por gravidade, continuar a atrair volumes importantes, nomeadamente vindos de Espanha. Mas a recente aposta da TAP numa ligação aérea Lisboa – Vigo vem precisamente fazer luz sobre vários outros motivos pelos quais o aeroporto do Porto pode correr um sério risco de ver a sua importância esbatida no contexto do noroeste peninsular.
Lisboa – Vigo é uma rota com toda a pertinência precisamente porque ao Aeroporto do Porto faltam atributos essenciais para definitivamente expandir o seu hinterland para lá de Valença, de forma mais definitiva e polarizante. De facto, o hub de Lisboa poderá começar a alimentar o aeroporto de Vigo, quando poderia perfeitamente ser feito a partir do Porto, com menores custos ambientais, energéticos e, claro, para o passageiro final. Mas para isso a ligação do aeroporto do Porto à Galiza teria de ter padrões no mínimo comparáveis aos que Espanha já oferece no corredor Vigo – Corunha: a existência de uma via férrea de altas performances.
Será difícil “vender” um aeroporto a uma região de um país vizinho quando as acessibilidades reais se resumem à solução rodoviária, por norma cara e cansativa – atributos que se aplicam perfeitamente neste caso de estudo. Daqui não resulta imediatamente que o aeroporto do Porto não seja atrativo para a Galiza: apenas resulta que não será sempre atrativo. E a diferença entre não ser sempre e ser quase sempre retira ao aeroporto do Porto um volume que lhe permitiria escala para ancorar progressivamente ligações importantes de várias companhias europeias, eventualmente da própria TAP.
O Aeroporto Francisco Sá Carneiro tem apostado desde sempre na Galiza e a verdade é que até a Junta da Galiza reconhece o aeroporto do Porto como uma infraestrutura primordial de transporte ao serviço da região espanhola. É por isso de presumir que a grande oportunidade de expansão do seu hinterland e de aumento de escala seja precisamente para Norte, visto que para Sul o aeroporto de Lisboa será sempre uma ameaça canibalizadora, ainda para mais porque na faixa entre Lisboa e Porto há transportes públicos de qualidade que propiciam fáceis e eficientes viagens até Lisboa.
Só que na Galiza existe a concorrência de três aeroportos, os três com grandes obras nos últimos anos, os três situados ao longo de um corredor serviço por serviços ferroviários de alta qualidade e que permitem aos galegos recorrer com alguma facilidade a qualquer um destes aeroportos, ainda que as estações ferroviárias não estejam localizadas nos terminais aeroportuários. Só perderão para outra infraestrutura se esta for de fácil acesso e, por ter maior volume, disponibilizar mais rotas e serviços mais frequentes.
Ao Porto resta, para competir com a Galiza, oferecer algo mais para conquistar aquele mercado. Uma ligação ferroviária rápida e frequente com a Galiza é fundamental para assegurar a importância daquele aeroporto no futuro, associando assim o potencial de mercado da Galiza com o da própria região Norte de Portugal, no que dará um escala sempre superior à que a Galiza sozinha podia oferecer aos seus aeroportos. Deste modo, mais rotas podem ancorar-se no Porto e mais desvio de tráfego da Galiza haverá. A expansão do hinterland do Porto só poderá fazer-se canibalizando os próprios hinterlands dos aeroportos galegos.
E por aqui regresso ao início da crónica: as variáveis para expansão dos hinterlands. Vejo no Porto como solução a procura de ganhos na escala do aeroporto e, como se percebe facilmente, esses ganhos só podem ser feitos à custa dos aeroportos do outro lado da fronteira. Como se pode então concorrer no seu território? Dificilmente haverá uma variável mais efetiva do que uma rede intermodal avião + comboio servida pelo terminal de Sá Carneiro que garanta ao mercado galego uma rápida deslocação até ao Porto. Depois aí entrarão outras possibilidades, como check-in antecipado na estação de origem e assim procurar outras vantagens competitivas como embarque mais rápido no Porto.
Eu, se fosse parte tida e achada no processo, mais do que preocupado com um relativo ostracismo a que a TAP parece querer votar o aeroporto do Porto, estaria preocupado com a incapacidade do aeroporto se conseguir estabelecer como o grande aeroporto da região Norte e da Galiza. E isso não é culpa da TAP.
Talvez em vez de protestar contra terminais de contentores no Barreiro (que relação conseguiu encontrar com estas apostas da TAP?), Rui Moreira devesse antes preocupar-se em garantir para o aeroporto os investimentos que podem dar-lhe as garantias de relevância que tanto pede. E que, na minha opinião, seriam inteiramente justificados, sob diversos pontos de vista.
João Cunha