Marketing nos projetos de infraestruturas

20/05/2016 0 Por Joao Cunha

A comunicação e o marketing são autênticas artes do nosso tempo. Uma vírgula mal colocada, uma omissão aqui ou uma excitação mais adiante podem ser o suficiente para transformar por completo a perceção generalizada sobre um qualquer assunto.

Vem isto a propósito da satisfação com que esta semana muita gente recebeu uma notícia do Público relativa à possibilidade da nova linha Évora – Badajoz poder vir a ter comboios de passageiros. Era suposto não ter?

Trata-se do exemplo perfeito do que uma comunicação enviesada pode fazer contra um determinado projeto.

É certo que a linha a executar é, na sua origem, uma linha dedicada a mercadorias. Correria paralela à linha de alta velocidade, essa sim polarizando o tráfego de passageiros e possibilitando a hipótese da via convencional ter apenas tráfegos de carga. A seguir ao cancelamento do projeto da linha de alta velocidade apareceu o dogma dos investimentos ferroviários para transporte de passageiros, pelo que a comunicação relativa à linha convencional (nunca abandonada) acentuou ainda mais a prioridade às mercadorias, não corrigindo o facto de que, sem alta velocidade, a nova linha convencional iria ter de representar um papel também para passageiros.

Acontece que nunca a linha foi concebida proibindo a circulação de passageiros. As suas características permitem aliás antever ligações bastante rápidas e que poderão perfeitamente possibilitar viagens competitivas entre Elvas e Lisboa, por exemplo. A tal ponto que provavelmente o cancelamento da LAV pode ter sido uma boa medida sob todos os pontos de vista – eu até acho que fica a faltar só a TTT.

Mas a comunicação focou-se tanto na carga – que parecia ser o único motivo aceitável para novas linhas – que pelos vistos até titulares de cargos públicos acharam que a linha não podia ter outras circulações. E, com isso, grangeou antipatias e incompreensões. Muitas delas talvez não se desfaçam (afinal, os dogmas não existem só em quem comunica, mas também em quem recebe as comunicações). Outras seriam evitáveis.

Construir uma linha destas não acontece todos os dias e as vantagens que proporciona devem ser publicitadas – todas. É uma forma de agregar mais pessoas à volta do projeto e de criar um “goodwill” na sociedade que pode ser vital para que as vantagens potenciais se tornem depois em vantagens efetivas e, com isso, ajudem a pagar tão grande investimento.

Eu próprio não me tinha apercebido do erro na comunicação deste projeto até ser surpreendido pelas reações de espanto à notícia de que circulação comboios de passageiros ia ser possível. Pois claro que vai ser possível!