Os investimentos nos metros de Lisboa e Porto
08/07/2016Parece que o atual Governo não quer deixar por mãos alheias as extensões dos Metros de Lisboa e Porto – ou pelo menos, os respetivos anúncios. Depois de sabermos que em Lisboa a expansão recomeçará até 2020, agora soubemos que no Porto a extensão até à Trofa deverá começar os seus trâmites ainda durante este ano de 2016.
Portugal perdeu nos últimos 20 anos a oportunidade de uma geração – a minha, não terá outra igual. Durante 20 anos, investiu-se sem paralelo nos transportes deste país mas, infelizmente, quase tudo foi parar às estradas, que poucas pessoas têm capacidade para pagar e viabilizar.
Na ferrovia, mesmo tendo sido recebidos montantes recorde, a oportunidade também não foi bem aproveitada. Na rede pesada, foi-se ao limite na renovação de traçados vetustos e que hoje, é verdade que com condições de circulação incomparáveis, continuam a apresentar todas as suas limitações por oposição a intervenções de raiz bem mais eficazes (até do ponto de vista da relação montante investido versus proveitos potenciais) realizadas noutros parceiros europeus.
Nas soluções ferroviárias ligeiras o cenário foi semelhante. O Metro da margem Sul do Tejo tarda em se impor como solução de mobilidade, o Metro de Lisboa quis ganhar asas em zonas já servidas pelo comboio e o Metro do Porto ambicionou ser uma espécie de segundo serviço ferroviário suburbano. Pelo meio, o ramal da Lousã foi sacrificado e entregue a um projeto desajustado em conceito e em montante da realidade económica do país e da região servida em particular.
O reatar de expansões é forçosamente uma boa notícia que, no entanto, não pode ser desligada da fortíssima privação de investimento que continuaremos a experimentar nos próximos anos, fruto de anos de excessos pornográficos (infelizmente, não em proveito dos caminhos de ferro).
Assim, face aos graves problemas de operação, segurança e fiabilidade que existem em eixos hoje em dia em funcionamento, devo contestar uma certa prioridade que aparenta ser dada a novos projetos em detrimento da boa conservação, renovação e acondicionamento do que existe.
Em Lisboa, vejo com dificuldade que possa haver a parca capacidade de investimento alocada a novas expansões do Metro de Lisboa (mesmo que pertinentes visto que, finalmente, parece ser consensual que o Metro se deve virar para dentro da cidade) enquanto ali ao lado a Linha de Cascais definha entre material circulante velho, insuficiente ligação com a restante rede ferroviária e uma infraestrutura vetusta e cara de manter.
No Porto, sendo certo que a linha ISMAI – Trofa existia antes de ser desativada com promessa de conversão para o Metro do Porto, é difícil pensar que se vai desde já investir verbas importantes no novo troço suburbano do Metro do Porto (oficializando, uma segunda vez, um erro já cometido na linha da Póvoa de Varzim), ainda por cima um troço sem grande potencial de atração de passageiros – é que a Trofa, o grande pólo gerador de tráfego, já tem comboio (mais rápido e mais confortável, ainda por cima). Ao mesmo tempo, adia-se e revêem-se em baixa os objetivos para a renovação da linha do Norte entre Ovar e Gaia e adia-se (em definitivo?) o futuro da linha do Vouga entre Oliveira de Azeméis e Espinho, onde uma conversão e integração na rede de bitola ibérica se afiguraria relativamente fácil e de investimento contido.
Finalmente, estas obras nas grandes metrópoles acontecem quando o chocante caso da linha da Lousã continua por resolver. Uma solução de mobilidade que existia e funcionava bem foi trocada por sinuosas estradas há quase 10 anos. Tendo em conta o limitadíssimo investimento necessário para uma reposição do serviço ferroviário por aquelas bandas, parece ser uma grande falta de respeito para o nosso território que a prioridade dos primeiros grandes investimentos na mobilidade urbana sejam de novo em Lisboa e Porto, quando a maior injustiça mora em Coimbra.
Percebo que seja mais interessante apresentar novos projetos e novas obras de regime do que curar primeiro aquilo que já existe e está doente. Esss tinha sido um dos poucos critérios consensuais por alturas da definição do PETI3+ há dois anos: dar prioridade ao que já existe e que serve muita gente antes de avançar para novas infraestruturas. Podemos chegar a 2020 com mais Metro em Lisboa e no Porto, mas com a Lousã adiada, o Vouga quase fechado e a linha de Cascais em morte lenta.
Talvez esteja toda a gente a tempo de rever prioridades. Aos políticos se pede que vejam para lá das manchetes de jornais.
João Cunha