Automatização, o desafio incontornável

Automatização, o desafio incontornável

22/07/2016 0 Por Joao Cunha

Os veículos autónomos vieram para ficar. A questão já não é se vamos ter veículos capazes de se conduzirem sozinhos mas quando é que eles se generalizarão, com enormes benefícios ao nível da segurança e da eficiência energética.

Esta semana a Mercedes apresentou o primeiro autocarro autónomo que dispensará o motorista. Esta é uma primeira estreia que, neste meio, será uma acelerada tendência do futuro próximo. Os caminhos de ferro têm condições ímpares para liderarem esta revolução e é pouco compreensível que não o façam. Se é certo que isto trará problemas de emprego imediatos, não é menos certo que não é a nível sectorial que eles podem ser corrigidos – as sociedades vão certamente passar por uma fase de total transformação das suas economias e sistemas de redistribuição de riqueza.

Num recente estudo norte-americano, os custos com pessoal foram calculados em cerca de 20% do total no setor rodoviário. Quer isto dizer que se o setor rodoviário chegar na sua plenitude a esta revolução primeiro que a ferrovia, esta ficará em maus lençóis – uma redução de custos de 20% é em muitos casos mais do que a própria ferrovia pode oferecer hoje em dia por comparação com a rodovia, mesmo em longas distâncias. Associando-se a isto as revoluções energéticas que também nas estradas irão acontecer e que colocarão a ferrovia em menor vantagem em temas energéticos e ambientais.

Nos caminhos de ferro o peso dos custos com pessoal é bastante mais diminuto mas ainda assim longe de desprezável. Isso o demonstram várias experiências, dentro e fora da Europa, com flexibilização de esquemas operacionais que apenas por esta vertente conseguiram colocar operações ferroviárias em patamares de competitividade bastante mais elevados.

Será por isso difícil de perceber que o meio de transporte mais propenso à automatização possa vir a ser o que mais tarde chega a essa competição. O problema do trajeto está resolvido pelo próprio conceito (carris). A maioria das outras variáveis estão asseguradas por evoluções tecnológicas de que os caminhos de ferro foram sempre pioneiros: controlo de velocidade, controlo de sinalização / tráfego, controlo de itinerários, entre outras.

Se na maioria dos casos os comboios já têm os equipamentos fundamentais para poderem ser autónomos, haverá alguma razão para chegar serem os últimos a aderir? As consequências sociais não podem ser desculpa: esse é um problema a resolver a montante, transversalmente. A verdade é que ignorar a melhoria de competitividade acabará por trazer resultados igualmente nefastos no curto prazo e potencialmente piores no longo prazo. Sem incremento de competitividade, serviços e postos de trabalho estarão igualmente em causa.

Na Alemanha a DB já anunciou testes com composições de mercadorias sem tripulação, em vias dedicadas, no que pode ser o início da revolução da automatização nos caminhos de ferro. Uma revolução que, em abono da verdade, aparece neste setor em particular com muitos anos de atraso – as condições fundamentais já existem e a complexidade das soluções a encontrar não tem paralelo (pela positiva) com aquelas com que se debate nomeadamente o setor rodoviário.

A automatização já está presente fundamentalmente em sistemas de metropolitanos, como forma de aumentar capacidade (pela homogeneidade de circulações que permite, essencialmente). Agora trata-se de expandir o conceito como arma operacional e financeira.

Isto não é um manifesto pela automatização e extinção de postos de trabalho. É sim um manifesto para que, por dogmas e problemas não solucionáveis setorialmente, não se evite observar a necessidade de evolução.

Os caminhos de ferro já por várias vezes na sua longa história permaneceram imóveis e andaram décadas a tentar recuperar atrasos – comerciais, operacionais e outros. Nos últimos 100 anos, e muito embora tenha sido também uma resposta a uma realidade já existente, só a Alta Velocidade foi um real esforço de antecipar problemas de competitividade futura.

Ao fim e ao cabo, a única escolha a fazer aqui é: querem os caminhos de ferro acompanhar e antecipar um futuro que já é evidente ou vão novamente ver o futuro passar em frente aos olhos, andando depois décadas a fio a definhar enquanto tentam voltar à vida? Esta é a escolha a fazer. Com a vantagem de que a realidade que se quer antecipar não é mais uma dúvida: é uma certeza.

João Cunha