Vias estreitas, tão doces e desertificadas

Vias estreitas, tão doces e desertificadas

02/09/2016 0 Por Joao Cunha

Amanhã a APAC permitirá a todos os interessados tomarmos contacto com um interessantíssimo documentário de Oscar Falagan sobre as vias estreitas do Norte de Espanha. Filmado em 2012 e na transição que a absorção da FEVE pela Renfe permitiu, o documentário é um retrato de Natureza e de Humanidade do dia-a-dia de tão peculiares linhas de caminhos de ferro.

A via estreita nasceu, lá como cá, para densificar a malha ferroviária a um custo mais baixo do que suporia uma bitola mais larga como a Ibérica. Assim, os caminhos de ferro encontraram o seu próprio ajustamento para irem de encontro aos locais mais desertificados e alojados no meio de complicadas orografias que tornariam caros demais traçados de bitolas mais convencionais (e mais largas).

Na Península Ibérica as vias estreitas são muitas vezes o retrato de zonas desertificadas mas, quase sempre, de paisagens naturais virgens e de povoações onde a vida corre ao ritmo lento dos comboios. Talvez por isso estes caminhos de ferro tenham a irresistível doçura da vida que corre vagarosa mas atenta aos detalhes. A história de cada vizinho, o pasto de cada animal e a represa de cada rio.

Além da cativante característica de serem habitualmente vias que percorrem a Natureza de pantufas, as vias estreitas são em si mesmas um modelo de negócio: comboios mais ligeiros e mais baratos, vias cujo investimento mais reduzido comprime as despesas de capital e, claro, a disponibilização de algumas das maiores vantagens intrínsecas ao meio ferroviário a zonas cuja orografia o podia desaconselhar.

As vias estreitas estão hoje em dia ameaçadas pelas estradas de boa qualidade que já chegam a todo o lado e pela desertificação que, regra geral, ameaçou e contanimou os territórios por onde passam. Quem viaja de Leon a Bilbao pelo caminho de ferro de La Robla necessariamente espanta-se com a singularidade das paisagens mas também com o absoluto abandono desse imenso território. Seria também a história do planalto transmontano, se as vias estreitas por ali ainda albergassem comboios sibilantes.

Mas continuam a ter um atributo que em países de turismo é a sua grande oportunidade: vão onde mais nenhum comboio chega, passam por lugares que as estradas não avistam e fazem-nos descobrir povoações que os mapas não nos mostram. São um retrato da superação que o engenho do Homem encontrou para superar os maiores desafios.

É esse fascínio e essa oportunidade que o documentário que amanhã será pela primeira vez exibido no nosso país nos mostra. A não perder.

João Cunha