Linha de Cascais vs Metro de Lisboa

Linha de Cascais vs Metro de Lisboa

05/10/2016 2 Por Joao Cunha

Mais uma semana e mais uma notícia de expansões no Metro de Lisboa: o Governo aparentemente vai apresentar em breve a extensão da linha amarela do Rato até ao Cais do Sodré, com estações na Estrela e em Santos. Esta expansão parece ter ganho a corrida à expansão da linha vermelha para Campo de Ourique e Alcântara e ganhou a corrida à linha de Cascais, apesar desta se debater com problemas operacionais claros de há muito a esta parte.

Não consigo deixar de estranhar que o mesmo Governo que assume no Parlamento não ter intervenções previstas para a linha de Cascais pelos meios financeiros necessários possa, alegremente, anunciar mais algumas centenas de milhões de Euros para o Metro de Lisboa – que nem capacidade está a ter de assegurar um serviço minimamente civilizado na rede que já existe.

Isto deu-me a oportunidade de relembrar vários aspetos certamente mais prioritários do que investir em novos troços do metro de Lisboa, por muito úteis que eles sejam – e eu não duvido da utilidade da expansão proposta. Mas só na linha de Cascais temos os seguintes problemas:

  • Infraestrutura vetusta, equipamentos de tração elétrica obsoletos e estações sem condições mínimas (sem estacionamento, sem abrigos);
  • Comboios envelhecidos, com custos operacionais galopantes e reduzida disponibilidade;
  • Falta de ligação à restante rede ferroviária, e nomeadamente ao eixo Sete Rios – Oriente que permitiria dar à linha de Cascais horizontes de serviço de grande potencial.

Está quase a fazer 10 anos o último projeto de desnivelamento do Nó Ferroviário de Alcântara, um engulho centenário na mobilidade lisboeta e no serviço da linha de Cascais. Agora que parece ter sido descoberto financiamento para mais uma obra muito cara ao serviço dos transportes públicos julgo que seria muito mais útil investir em algo que já existe e que se arrisca a deixar de poder realizar o seu objetivo por dificuldades operacionais. Além disso, o potencial que a integração da linha de Cascais no resto da rede tem para promover transferência modal da viatura particular para os comboios é imensamente superior à de um investimento num troço de metro interno à cidade de Lisboa.

Em 2007 apontava-se que a obra do Nó de Alcântara iria permitir aumentar de 30,3 para 41,8 milhões de passageiros anuais o tráfego da linha de Cascais. Não sei até que ponto este era um estudo optimista mas com as perdas que a linha teve desde então não será de menosprezar o potencial para semelhante ganho. Este potencial de ganho por optimização das quotas modais do caminho de ferro vs viatura particular era facilmente explicável pelas performances comerciais em causa: Cascais passaria a estar a 37 minutos de Sete Rios, 40 de Entrecampos ou 54 do Oriente. Alguém experimenta por estes dias sair de Cascais de comboio para ir apanhar um Alfa para o Porto ao Oriente?

Associado à necessária renovação da linha e seus comboios, com possível reeletrificação para total harmonização com o resto da rede, este projeto de 2007 é de prioridade máxima numa perspetiva racional de intervenção na mobilidade na área da Grande Lisboa. É pouco compreensível que o Governo Central se continue a entreter com novas obras faraónicas no Metro de Lisboa quando há algo desta prioridade em stand-by há tanto tempo.

Uma da alternativas de traçado, que faria aparecer a linha de Cintura logo abaixo da linha do Sul, no vale de Alcântara.

Uma da alternativas de traçado, que faria aparecer a linha de Cintura logo abaixo da linha do Sul, no vale de Alcântara.

Os traçados possíveis tinham sido perfeitamente definidos e incluíam sempre uma estação subterrânea em Alcântara-Terra no que constituía ainda uma grande oportunidade de reordenamento urbano à superfície. Daí para Campolide os três traçados previstos diferiam no canal a ocupar e até no número de vias, já que num deles se manteria uma solução de via única entre Alcântara-Terra e as proximidades da estação de Campolide.

Se – e é um grande “se” – existirem realmente meios para intervir nas infraestruturas de transportes públicos da Grande Lisboa, é incompreensível que não se dê total prioridade ao estado de degradação da linha de Cascais e às ferramentas que esta necessita para se atualizar e se inserir nas dinâmicas de mobilidade que nem sequer são recentes – a deslocalização do centro de gravidade de Lisboa para a zona de Sete Rios, Entrecampos ou Oriente não é sequer uma tendência recente. A linha de Cascais é, neste aspeto, uma sobrevivente de paradigmas de mobilidade antigos e já pouco representativos.

Penso que é esta reflexão que é urgente ser feita. No Governo, na Assembleia da República mas também na AML e na sociedade civil, em geral. Mais importante do que pequenas realidades é a o panorama geral da mobilidade na Grande Lisboa. E nessa óptica é evidente que a urgência da linha de Cascais e da sua ligação à linha de Cintura ultrapassam, em pertinência social e económica, qualquer outro projeto que possa ser apresentado para o Metro de Lisboa. Que o bom senso impere, por uma vez.