O elefante no meio da sala

O elefante no meio da sala

20/10/2016 2 Por Joao Cunha

Volta a falar-se por estes dias de investimentos ferroviários, nomeadamente da anémica renovação e eletrificação da linha do Minho que na prática acabará por não representar uma evolução ao nível do que chegou a ser prometido na ligação do Porto à Galiza.

No entanto, enquanto falamos de novas operações nas infraestruturas, esquecemos um dos vários elefantes do nosso sistema ferroviário – e este está bem no centro da sala. Que comboios teremos no dia de amanhã? Se as catenárias chegarem de facto a Viana, Valença, Régua, Oeste e Algarve, terá a CP condições para aproveitar de forma digna as novas condições oferecidas pelas infraestruturas? É francamente duvidoso.

No segmento regional é verdade que a passagem à tração elétrica terá ganhos dramáticos nos tempos de viagem e nos tempos de rotação – os mesmos serviços, admitindo que melhores condições não chegam para aumentar frequências, poderão ser logo à partida realizados com menos comboios. Mas também é verdade que a CP só tem uma solução para este segmento – as unidades triplas elétricas 2240, renovadas entre 2003 e 2006 e cujos interiores não estão de todo adaptados a serviço regional. Bem sei que já lá vão mais de dez anos e isso não tem sido impedimento para algumas ligações que chegam a ultrapassar as três horas, mas em nome da dignidade do serviço ferroviário isso não pode durar para sempre.

De qualquer forma sou bastante cético quanto à disponibilidade destas unidades para acorrerem a tudo, como creio que está mais ou menos assumido pelos diversos governos – basta ver que nos projetos de eletrificações se fala sempre de forma algo leviana no aproveitamento da frota elétrica já existente, como se estivéssemos a falar de uma frota relaxada o suficiente para assegurar Minho, Douro, Oeste e Algarve, além de tudo o que já assegura hoje em dia. Pelas minhas contas existirá uma capacidade para adicionar mais oito unidades a rotação, mas será que oito unidades adicionais permitem tudo isto? É duvidoso.

No Longo Curso o panorama não é incerto – todos o sabemos: não há material disponível sequer para os eixos já atualmente explorados em serviço Alfa Pendular ou Intercidades. Parece óbvio sobretudo nos casos do Minho e Algarve que a CP deve entrar por estes territórios adentro com uma oferta de Longo Curso capaz. Estará a solução na renovação de carruagens Sorefame, como aparentemente se desenha no horizonte? O que podem representar 25 carruagens? Talvez 6 composições mais? Mesmo indo buscar mais locomotivas elétricas para estes serviços, serão 6 composições suficientes para voltar a repor um serviço digno na linha da Beira Baixa (é um objetivo assumido pela CP com estas renovações) e ainda puxar o serviço Intercidades para lá da sua cobertura atual?

Relativamente ao serviço de mais altas prestações estará a CP condenada a contar com 10 composições? Não será o material espanhol uma inevitabilidade que devia ser antecipada em vez de adiada? Ou alguém espera ver comboios pendulares na linha do Minho quando não podem cruzar a fronteira, contrariamente a material de tipo S-120 dos espanhóis da Renfe?

Como sempre defendo uma abordagem pragmática e funcional quer na análise quer na definição de soluções. As eletrificações no horizonte não são, só por si, o garante de uma rede ferroviária melhor. Se o serviço regional continuar a contar com as condições atuais e se não houver mais material de Longo Curso, não estaremos a condenar boa parte do interesse das renovações de linhas a realizar? Questão a acompanhar.