A reforma anti-fogos

A reforma anti-fogos

19/10/2017 1 Por Joao Cunha

O ciclo é de repetição fácil: dos fogos passa-se para a exigência de medidas e delas para reformas, que provavelmente de reformas têm só o nome.

A reforma das florestas não terá resultados palpáveis daqui a 10 anos, quando estiver a fazer efeito. Causas fundamentais como dispersão populacional, desertificação e envelhecimento continuarão a promover fogos incontroláveis e mortes um pouco por todo o lado no nosso país.

Juntando ao chocante estado em que o nosso interior está com os crescentes problemas de pressão no uso de solos no litoral – que ingenuamente é combatido por neo-xenófobos com ameaças de corte no turismo – é óbvio que o planeamento territorial é a única resposta ao problema dos fogos e aos outros que o país atravessa. Todos os choques e tensões territoriais podem ser combatidos apenas com uma visão ampla do país.

Assim sendo as minhas propostas passam por pegar no emprego público e espalhá-lo pelo país, procurando um modelo de povoamento mais assente em grandes e médias cidades ao longo do território, fomentando o regresso ao interior e combatendo a dispersão de povoamento ao mesmo tempo.

Pegando nas NUTS III, definir pelo menos uma cidade por região como o pólo dessa geografia e para aí deslocar ministérios, institutos e fundações públicas, de preferência tematicamente relacionadas entre si.

Trata-se de promover o crescimento sustentável do território a partir de 28 cidades. Algumas das quais deverão perder empregos e a maioria ganhar. Com o emprego público diretamente transferível irão outros empregos públicos (saúde, justiça ou educação, por exemplo), num cocktail que fomentará também a criação de emprego privado por todo o lado.

O objetivo é claro: reduzir a imensa pressão populacional e urbanística que começa a ser insustentável em cidades como Lisboa e Porto, proporcionando muito maior qualidade de vida aos portugueses e atividade ao longo do nosso país, capaz de estancar envelhecimento do interior e promoção de todas as geografias como espaços diferenciados mas coesos.

O plano a 10 – 15 anos deve conter:

  • Abertura de novas posições na função pública apenas nas cidades a serem potenciadas;
  • Promoção de deslocação de atuais trabalhadores, garantindo emprego ao cônjuge sempre que for possível e ambos trabalharem no Estado;
  • Infraestruturação do território garantindo auto-estradas e caminhos de ferro com velocidades médias mínimas de 120 km/h entre as diversas cidades;
  • Execução por etapas de infraestruturas de serviços públicos: escolas, tribunais, esquadras, hospitais, entre outros, prevendo a transição de menor povoamento para maior povoamento;
  • Incentivos fiscais temporários na vigência do plano para investir no interior e lá viver – no final o objetivo é coesão do território, deixando de se justificar discriminação positiva;
  • Acessibilidade eficiente garantida dos vários polos aos nossos portos e acessos terrestres internacionais para garantir equidade de oportunidades no acesso a novos projetos industriais.

O custo social desta enorme mudança deve ser muito bem apresentado – a inconveniência das mudanças pode trazer a oportunidade de níveis de vida muito superiores. Pense-se na vantagem de, mantendo salários de Lisboa ou Porto, se ir morar para zonas com custos de habitação (e outros) cortados para metade ou até menos de metade – oportunidade a materializar com antecipação de permissões para mais construção já que a escassez de oferta pode ser mortal para um plano deste género.

Todos os concelhos e suas sedes não escolhidos como focos a potenciar ganhariam sempre pois a proximidade a novas grandes cidades acabará sempre por os beneficiar. Certamente perderiam menos (e talvez até ganhassem) população do que o presente declínio transversal do interior.

A capacidade libertada em Lisboa poderia aproveitar à acomodação dos fluxos turísticos, fluxos por definição não deslocalizáveis dentro do nosso território e fonte de receita imperdível para o nosso país. O crescente dinamismo pode aliás, conjugado com a saída faseada de emprego público, permitir uma minoração de desvalorizações imobiliárias cujos efeitos podem ser especialmente gravosos.

A luta contra os fogos é uma luta da coesão territorial. O interior desertificado enquanto o litoral vibrante provoca tensões sociais crescentes é uma inconsciência que urge resolver.

Chaves, Vila Real, Mirandela, Bragança, Lousã, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Covilhã-Fundão, Abrantes, Beja, Portalegre, Elvas e Évora são cidades a potenciar num eixo interior de equilíbrio territorial.