O acesso a Sines
20/07/2018O acesso a Sines é feito pela linha que sai de Ermidas-Sado, na linha do Sul, e percorre cerca de 50 kms até ao porto de Sines, 40 dos quais na linha original e os últimos 10 construídos com a fundação do porto e industrialização da área. A linha demora cerca de 45 minutos para os comboios de mercadorias, contando apenas com uma estação para cruzamento perto dos terminais (designada por Raquete, pois existia uma raquete para inversão de comboios nessa zona) e em S. Bartolomeu da Serra, onde só cabem comboios até 450 metros de comprimento. Esta limitação existe também na estação de Lousal e de Canal Caveira, no troço comparado até Grândola-Norte.
A linha apresenta fortes rampas nos dois sentidos, em direção ao alto das Cumeadas, entre Santiago do Cacém e S. Bartolomeu da Serra. A inclinação é de 1,7% e as curvas nesse sector apresentam raios entre os 300 e os 400 metros, fortemente penalizadores para comboios compridos. O efeito na resistência ao avance é que locomotivas como as 4700 (6000 cv de potência) ou as 5600 (7600 cv de potência) só conseguem rebocar 1100 toneladas nesta linha, contra cerca de 1400 na linha do Norte, por exemplo. São menos 22%, o que é uma penalização crítica já que o transporte de mercadorias depende da sua produtividade – carga por comboio – uma vez que o capital necessário é muito elevado (cada 4700 custou 4M€, para se ter uma ideia, e foi um óptimo negócio há 10 anos).
O acesso ao porto de Sines motivou estudos do Estado Novo aquando da sua implementação. Já na altura, apesar de estarmos longe das necessidades logísticas que pressionam para comboios longos e muito pesados, o Estado Novo considerou que devia ser feita uma linha nova, partindo do Poceirão (o nó ferroviário para distribuição para Norte, Este e Oeste) e segregando tráfegos do Algarve e de Sines, autorizando estes últimos a cargas maiores ao serem poupados às grandes rampas da linha de Sines e da linha do Sul na zona do Lousal. Em 1980 foi inaugurada a primeira parte, o chamado atalho do Poceirão – ligação nova Poceirão – Águas de Moura e variante à linha do Sul entre Águas de Moura e Pinheiro, que implicou construção do viaduto da Marateca.
Em 2010 foi inaugurada a variante de Alcácer, entre Pinheiro e Grândola Norte, avançando mais um pouco nesse plano vindo do Estado Novo. Grândola Norte é a localização preconizada para o interface da variante de Alcácer com a linha do Sul e a nova linha de Sines, saindo daí directa para Sines e evitando a serra.
A linha em falta constou do PETI3+ e foi cortada já recentemente, no Ferrovias 2020. Devia ser uma via única quase plana de 40 km, com duas estações intermédias de 800 metros para cruzamentos, ligando à linha atual na estação da Raquete, nas imediações da Petrogal. Pela sua geometria, permitiria facilmente os 160 km/h e até 1600 toneladas por locomotiva – mais 45% que pela linha existente.
Em vez dos 200M€ para a nova linha, o Governo seleccionou a renovação da linha atual, por 115M€, para 40 km de via, mantendo o traçado mas aumentando (e instalando?) estações, melhorando sinalização e provavelmente sistemas de segurança. Só que isto coloca um problema – com o tráfego de Sines a manter-se na linha do Sul, os problemas de capacidade vão aumentar e obrigar ao aumento das estações dessa linha (Lousal e Canal Caveira são pequenas), reformulação da sinalização (para que possam circular vários comboios no mesmo sentido entre duas estações) ou mesmo duplicar, num troço que é pontuado por várias obras de arte (1100 metros são em viadutos).
Assim, as opções a comparar entre Grândola Norte e Sines são as seguintes, sem impacto no troço final entre Raquete e os terminais portuários:
Opção | Distância (km) | Investimento estimado | Carga (t) / locomotiva | Tempo (mercadorias) |
1 – Duplicação Grândola – Ermidas + Renovação linha de Sines | 85 | 194.000.000€ | 1.100 | 1h02min |
2 – Nova linha de Sines | 40 | 200.000.000€ | 1.400 | 32min |
O investimento estimado para a opção 1 resulta dos valores indicativos da Infraestruturas de Portugal e incluem para os 34,6 quilómetros entre Grândola-Norte e Ermidas-Sado: terraplanagens, ajuste de passagens superiores, construção de 1100 m de novos viadutos, colocação de via, sinalização, comunicações e electrificação. A isto acresce 115M€ anunciados para a renovação da linha de Sines.
A necessidade de duplicar a linha do Sul é a verdade inconveniente que se omite para se poder justificar que o acesso a Sines pode ser remediado com apenas 115 milhões de Euros. É preciso ainda ter noção de que, além da menor competitividade, quanto menor for a carga por comboio mais circulações serão necessárias o que exponenciará o efeito de saturação. Num cenário de ligação a Espanha por Évora o aumento de tráfego é inevitável – aliás, é isso que motiva essa ligação!
Num cenário de capacitação da linha do Sul e Sines para o tráfego que continua a crescer, existe apenas 3% de poupança na solução 1, que representa 22% a menos de carga por locomotiva e um tempo de viagem que é o dobro. Além do mais, a opção 2 retira 1 hora a cada rotação de ida e volta, ou 12,5% do tempo de serviço da tripulação, ou o suficiente para introduzir mais uma viagem Lisboa – Sines numa locomotiva que esteja alocada em exclusivo a esse eixo, num dia.
Por fim, a redução no percurso (distância inferior em 53%) e coberta a maior velocidade implicará um aumento substancial da capacidade, com apenas três estações (as duas previstas no projeto mais a estação da Raquete), significando não apenas grande capacidade no imediato como custos mais reduzidos para aumentá-la, se necessário vier a ser. Na linha do Sul não seria preciso fazer nada – sem o tráfego de Sines abaixo de Grândola, a linha dispõe de capacidade amplamente suficiente provavelmente para sempre.
Os números falam por si se os deixarem falar. A alternativa à linha de Sines nova não é a renovação da atual. À renovação da atual será necessário juntar a complicada duplicação de via na linha do Sul.
Parabens por esta analise. É importante a sua divulgação.
Infelizmente poupar no farelo para gastar no superfulo continua a ser o fio condutor dos sitema politico de governança lusitano.
Não tenho conhecimentos técnicos suficentes para contestar a sua análise mas vários estudos já o fizeram. Se pensar só no transporte, na dinheiro a gastar talvez até tenha razão, no entanto penso que falta avaliar o impacto negativo ambiental, social e económico para a região e consequentemente para todo o país. Lembre-se que a nova linha atravessará zonas do melhor montado português, ( dinheiro deitado fora nas múltiplas campanhas e estudos para utilização e promoção da cortiça), afectará zonas de ecossistemas muito sensíveis e arruinará e prejudicara todo o investimento que tem sido feito no turismo, nomeadamente turismo ambiental.
Parabéns pela belíssima análise técnica (económica e financeira) que mais 1 vez prova que nas últimas décadas em Portugal quase sempre os sucessivos desgovernos, de esquerda e direita, tomam decisões erradas incompetentes fruto dos interesses dos lobys instalados, obrigado.