A frota motora da CP em 2016

A frota motora da CP em 2016

06/08/2018 1 Por Joao Cunha

Publico umas achegas sobre o que era a frota da CP em 2016, com o objectivo de desmistificar a tese do Governo de que recebeu um fardo pesado. Relativamente à natureza sistemática e contínua da manutenção, já escrevi aqui.

Os dados reportam-se a Agosto de 2016, dez meses depois da tomada de posse da actual equipa do MPI. Pelo exposto no artigo já citado, nesta data se tivesse sido recebido um passivo de manutenção, ele já teria dado sinais de vida – ou seja, já haveria caos.

Exibo o parque total activo (descontando unidades que estavam a aguardar decisão sobre reparações), o parque disponível (descontando unidades habitualmente entregues a manutenção periódica, revisões) e o parque necessário (pelas rotações da empresa, expurgadas das unidades de reserva – que constam das rotações sem serviço programado e que na prática compara com o nº de unidades entregues à manutenção, seja por avaria ou outras).

É importante sublinhar (até porque a malta das trincheiras só vê a preto e branco) que a CP foi de facto entregue no limite em 2015. Mas mesmo esse limite pode ser sustentado virtualmente ad eternum se a manutenção for mantida (pode é ter custos crescentes, no material mais obsoleto – é o que acontece há 10 anos em Cascais).

Quanto ao volume de passageiros em crescimento, que necessitava naturalmente de respostas, a CP por isso mesmo criou um plano de expansão que recorria a alugueres (para aumentar oferta e assim encaixar mais dinheiro, era para o segmento rentável) e alertou publicamente para os riscos de não começar a investir no aumento da empresa. Foi em 2016.

Relativamente aos números divulgados nos relatórios e contas, é fundamental perceber que frota operacional não é frota que está a andar. É frota dada a serviço comercial, mas que pode estar pontualmente em revisão / manutenção / reparação – na minha análise, é o primeiro número acrescido das tais unidades que aguardavam decisão (habitualmente unidades gravemente acidentadas que aguardam decisões de seguros ou da própria empresa de custear grandes reparações). Frota não operacional não é, em princípio, frota reactivável – são fundamentalmente veículos destinados a demolição, museu ou venda.

Vamos lá ao parque operacional, segundo a definição da CP.

 

Locomotivas (parque total / parque disponível / parque necessário)

Diesel, 1400 (usadas para manobras em Santa Apolónia e para comboios especiais no Norte): 6 / 5 / 2

Eléctricas, 5600 (serviços Intercidades): 19 / 18 / 13

 

Automotoras eléctricas (parque total / parque disponível / parque necessário)

2240 (serviços regionais, urbanos Porto e Lisboa, ICs da Beira Baixa): 54 / 50 / 45

2300/2400 (linhas de Sintra e Azambuja): 51 / 48  /42

3150/3250 (as de Cascais): 30 / 27 / 26

3400 (urbanos do Porto): 34 / 32 / 32

3500 (unidades 2 pisos de Lisboa): 10 / 9 / 8

4000 (Alfa Pendular): 10 / 9 / 8

 

Automotoras diesel (parque total / parque disponível / parque necessário)

0350 (linha do Leste, na altura ainda na linha do Oeste): 3 / 3 / 1 (2 das unidades eram reserva permanente no Oeste)

0450 (Oeste, Beja e Algarve): 17 / 15 / 15

592 (alugadas a Espanha): 19 / 17 / 16

9630 (Vouga): 7 / 6 / 5

 

Notas adicionais: Os parques dos Pendulares (4000) e urbanos do Porto (3400) já tinham uma manutenção gerida de modo distinto (basicamente não têm grandes reparações que podem durar várias semanas, mas uma nova forma de gerir a manutenção que foi abordada na revista Trainspotter sobre os comboios Alfa Pendular) pelo que era mais comportável gerir no limite – representa de facto um ganho de produtividade e é um método que vai / está a ser alargado a mais séries. Os Alfas só ficariam de facto no limite com a imobilização para renovação de meio de vida (1 unidade), o que aliás motivou que a CP tivesse pedido para alugar material de modo a mitigar os riscos.

A frota das 0450 já estava em profunda crise, com muitas avarias repetidas. No entanto o duplo efeito do sobredimensionamento da frota do Algarve e a existência de 2 0350 de reserva no Oeste permitia quase sempre gerir a situação. A propósito das 0350, a CP enviou em 2016/2017 4 automotoras já abatidas para serem recuperadas nas oficinas do Porto. Uma pôde ser revista perante a pressão política de repor o serviço ferroviário para Elvas. As outras por lá continuam ainda hoje …


Isto são dados de Agosto de 2016. Havendo passivos de manutenção graves herdados, nesta altura já teria havido colapso. Com os meios exíguos, a CP ainda teve um 2016 tranquilo, o que prova que aliás não houve redução desses meios durante esse ano. Já teve um Verão difícil porque a procura continuou a aumentar e os comboios que deviam chegar por aluguer em Junho 2016, não puderam ser alugados. Em 2017 para resolver parcialmente o problema no Douro, a CP reactivou 6 antigas carruagens de 1948, que fazem desde então um serviço turístico Miradouro.

Faltam aqui dados do parque de 102 carruagens Intercidades (101 na realidade). No entanto, com excepção da linha da Beira Baixa que desde 2012 é operada com 2240 modificadas, nenhuma linha tinha sequer registos de operação com algo que não fosse material Intercidades, o que aliás se prolongou até 2017. Portanto, desconhecendo taxa de imobilização da altura, não fazia perigar certamente a oferta da empresa como hoje acontece (sobretudo na linha de Évora, a de menor prioridade para a CP).

Deixo aqui os dados para que cada um possa ver o que eram as capacidades operacionais da CP e fazer os seus julgamentos do que seria o cenário actual se isto se tivesse mantido. Por exemplo nas 0450 têm sido registados vários dias nas últimas semanas com menos de 10 unidades disponíveis.

Relativamente às notícias da abrupta quebra de capacidade na EMEF (que já era menor em 2015 do que em 2011, sim… suficiente no limite para a operação então existente), é de recordar a lei noticiada aqui, que teve um grande impacto que manifestamente não foi antecipado na ferrovia….

 

A minha opinião sobre 2016

É evidente que a situação era de limite, como comecei por dizer. E é evidente que, perante o bom trabalho comercial da empresa, expandir era o único caminho, tal como foi publicamente comunicado (até pelo próprio Pedro Marques, em início de mandato).

A vida da CP teria de evoluir e ainda comportava a problemática série 0450 (não sou situacionista, podem consultar o que eu dizia delas em 0450 bem antes da crise operacional), carecendo de um misto de soluções: no mínimo manter os meios alocados até então (o que foi feito durante 2016), aumentar a frota de reserva (por exemplo reactivando as 0350s, o que a CP tentou fazer em 2016/2017) e alugando mais material a Espanha (que, por sorte nossa, tem de sobra).

E, claro, preparar concursos para comprar material a sério.

Se o colapso presente é culpa da herança? Não há nenhuma indicação que o possa suportar (então compravam-se rodados, faziam-se revisões, ao ritmo necessário para manter a frota – minimizada, é certo – operacional), nem pela natureza do que é manutenção ferroviária e sua homologação para serviço comercial, que compara com a análise dos números de Agosto 2016.

Podemos falar da competitividade e sustentabilidade desta frota. Isso já em 2016 era um desastre, uma má herança do governo anterior, que teve uma má herança do governo anterior, etc. etc. Mas procurar misturar o aspecto da competitividade e sustentabilidade financeira da frota com o simples facto de ela agora estar parada nas oficinas procura apenas confundir e apagar responsabilidades presentes pelo curto prazo. E é sobre isso que o Governo é chamado a assumir as suas responsabilidades – presentes e futuras.

O certo é que o Governo tinha oções – por exemplo as que agora apressadamente quer garantir até ao final do ano (mais alugueres, mais contratações). E após três anos, o cenário é o que é.