Os problemas de capacidade das linhas do Sul e Alentejo

Os problemas de capacidade das linhas do Sul e Alentejo

21/08/2018 0 Por Joao Cunha

Neste capítulo de uma série de artigos dedicados ao trânsito ferroviário de e para Sines abordo o problema da capacidade para o trânsito ferroviário.

No primeiro artigo desta série abordei a comparação entre a nova linha de Sines (que foi cancelada algures o ano passado) e a renovação da linha existente. Como já escrevi então, a renovação da linha existente traz desde logo o problema de se ter de pensar na duplicação (bastante cara) do troço Ermidas – Grândola, na linha do Sul. Assim, essa é uma problemática que não abordo aqui.

A linha do Sul tem actualmente um outro troço saturado – que é aliás o ponto mais negro de toda a linha: trata-se do troço Pinheiro – Águas de Moura, que liga o nó ferroviário do Poceirão / Setúbal com a bifurcação da linha do Sul e variante de Alcácer, a Sul.

Viaduto da Marateca, a maior obra de arte do troço Pinheiro – Águas de Moura

O crescimento esperado de Sines, sobretudo com a abertura da linha Évora – Elvas que abre perspectivas inéditas ao porto alentejano, trará uma pressão incomportável a prazo também para este troço.

Também o troço Poceirão – Bombel, na linha do Alentejo, está à beira da saturação. Estava até prevista a sua duplicação no PETI3+, obra retirada do Ferrovias 2020. Este troço não tem especiais dificuldades para a sua duplicação.

O imediatismo mandará olhar para este itinerário clássico mas, como em artigos anteriores, proponho outra visão e uma comparação.

Sines – Caia, via Poceirão ou via Beja?

Os comboios de Sines para a fronteira (em direção a Mérida, Madrid e Valencia, os destinos mais prováveis) serão a maior pressão na linha do Sul na próxima década pelo menos.

O itinerário pensado levará os comboios a circular via Poceirão e Vendas Novas, cumprindo a distância entre Ermidas-Sado (bifurcação de acesso à linha de Sines) e Évora (de onde sai a linha para Espanha) em cerca de 2h05 e ao cabo de 172 quilómetros.

Via Beja, os comboios poderão demorar cerca de 2h15 cumprindo 184 quilómetros, diferença perfeitamente desprezável para circulações de mercadorias. Por Beja, os comboios aproveitam a via dupla entre Ermidas-Sado e Torre Vã e posteriormente passam por troços de via única pouco saturadas (Torre Vã – Funcheira, onde passam 15 a 20 comboios por dia, apenas) ou quase desertas (Funcheira – Casa Branca, que inclui a secção Ourique – Beja cujo tráfego está suspenso).

Assumindo a necessidade de reforçar capacidade no itinerário clássico, a duplicação Pinheiro – Águas de Moura e Poceirão – Bombel poderá cifrar-se em cerca de 50M€, utilizando os custos de referência da Infraestruturas de Portugal, no total dos 36 quilómetros a intervir.

O investimento na via dupla a Sul de Torre Vã serve apenas 15 a 20 comboios por dia e poderia ser rentabilizado

Via Beja, seria necessário renovar a via entre Beja e Ourique (52,4 quilómetros), bem como proceder à sua electrificação e automatização da gestão do tráfego, um investimento que se cifraria em cerca de 36M€ se o objectivo for circular a 80 km/h (amplamente suficiente, e assegurando limitação de gastos de manutenção futuros). Excluo os custos da renovação e electrificação da linha Beja – Casa Branca (ou Beja – Évora, como proponho), já que a sua justificação é independente e a obra avançará sempre, com ou sem Sines.

A vantagem de fazer circular os comboios via Beja é financeira mas também é operacional, uma vez que recuperaria uma importante redundância na rede ferroviária a Sul, com a recuperação do troço Ourique – Beja. A fiabilidade do sistema ferroviário depende muito da existência de redundâncias, e em Portugal não existem. Por outro lado, aumentaria o interesse económico da electrificação da linha do Alentejo até Beja, que aparentemente será mesmo feita por se ter tornado insustentável o ostracismo a que esta capital de distrito tem sido votada. Ficaria ainda disponível um grande corredor Norte – Algarve, via Beja, evitando circulação pela linha do Sul e garantindo que não serão necessários grandes investimentos na sua duplicação no longo prazo, orientando para o Alentejo algumas circulações de mercadorias que existem e que poderão vir a existir. Incentivos tarifários devem aliás reflectir o interesse que a rede tem em encaminhar comboios por Beja.