Reaberturas de linhas não são a solução

Reaberturas de linhas não são a solução

28/07/2019 1 Por Joao Cunha

O Bloco de Esquerda foi ao Tâmega e, na sua tradição muito particular, anunciou a proposta de reabertura da linha do Tâmega, para incentivar o transporte ferroviário português, sendo possivelmente a única coisa que conhece ali da região.

Os partidos políticos, os sucessivos governos e também os técnicos das entidades públicas responsáveis pela rede ferroviária têm de conseguir falar de caminhos de ferro sem olhar para o mapa ferroviário dos livros de história.

Se a seu tempo alguns dos fechos de linhas ferroviárias podem ter sido precoces, em 2019 é claro que nenhuma das linhas fechou pode, com a sua simples reabertura, ser solução para coisa alguma. Poucas são as excepções, talvez justificadas apenas por razões turísticas ou, quando muito, para materializar alguma redundância recomendável. Não acreditam?

1 – Linha do Sabor

Ligava o Pocinho a Duas Igrejas, longe de Miranda do Douro. Eram 105 quilómetros em bitola métrica, obrigando transbordo para a linha do Douro, e que eram percorridos em mais de duas horas, pelo meio de algumas das maiores rampas do país. Quem quereria hoje demorar 6 horas do Porto a Miranda do Douro? Quem quereria operar comboios de mercadorias de apenas 600 ou 700 toneladas?

2 – Linha do Tua

Os 134 quilómetros em bitola métrica que separavam Tua de Bragança eram percorridos em mais de três horas para os comboios mais rápidos, graças a um traçado apto na maioria da sua extensão a menos de 50 km/h. Porto – Bragança em 7 horas e com transbordo… atractivo, não seria?

3 – Linha do Corgo

71,4 quilómetros em bitola métrica entre Régua e Chaves, percorridos a velocidades normalmente inferiores a 35 km/h, graças às curvas mais apertadas da rede e algumas das suas maiores rampas. Porto – Vila Real em cerca de três horas, praticamente cinco para chegar a Chaves. Os comboios de mercadorias conseguiriam subir talvez 700 toneladas com uma locomotiva eléctrica moderna.

4 – Linha do Tâmega

51,6 quilómetros em bitola métrica entre Livração e Arco de Baúlhe, sempre a velocidades inferiores ou iguais a 40 km/h. Os 10 quilómetros que sobraram até 2009, entre Livração e Amarante, eram percorridos em quase 25 minutos. Será um traçado destes solução para alguma coisa?

5 – Ramal de Monção

16 quilómetros em bitola ibérica, continuação da linha do Minho. Até pelo dinamismo do Alto Minho me parece que aqui estaria uma reactivação vantajosa, para terminal de todos os serviços nacionais do Minho. Um custo residual e um traçado bom o suficiente para tráfego de curta distância.

6 – Linha do Vouga e Dão – Sernada do Vouga a Viseu e Santa Comba Dão

As automotoras holandesas compradas em 1954 foram uma revolução. Ligavam Espinho a Viseu em apenas 4 horas! Uma das vias mais bonitas do mundo mas que o melhor que fazia era assegurar uma ligação ao Porto em praticamente 4h30 ou a Lisboa, via Santa Comba Dão, em mais de 3h30, graças às suas curvas e rampas inclementes. Seria esta uma solução para a maior cidade europeia actualmente sem ferrovia?

7 – Ramal de Cantanhede

50 quilómetros da Figueira da Foz à Pampilhosa, a antiga linha da Beira Alta. Apesar de estar em bitola ibérica e de ter um traçado facilmente melhorável na maioria da sua extensão, esta linha duplica demasiado o itinerário (muito mais rápido) entre a Figueira e Coimbra e falha no possível objectivo de ligar a Figueira com Aveiro, ao flectir para a zona da Mealhada.

8 – Ramal da Lousã

Um crime, de facto. Servindo uma zona suburbana fundamental para o desenvolvimento de Coimbra, vai acabar por ver uma solução estrambólica de autocarros.

9 – Ramal de Cáceres

Um suposto atalho na ligação Lisboa – Madrid, ligando Torre das Vargens com Marvão-Beirã. Diz-se que, na sua construção, o empreiteiro era pago ao quilómetro e por isso decidiu desenhar o traçado mais curvilíneo do país, a que se somam algumas das maiores rampas da rede. O maior espanto foi ter durado até ao início de 2012.

10 – Ramal de Rio Maior

Um ramal fundamentalmente para tráfego mineiro, ligando à linha do Norte em Vale de Santarém. Não chegava a ligar com a linha do Oeste.

11 – Ramal de Mora

Imaginado para ligar Évora com Ponte de Sôr, nunca passou de Mora. No auge dos caminhos de ferro nacionais tinha… 1 comboio por semana.

12 – Linha Évora – Portalegre

Na zona mais plana do país, esta linha tinha algumas das piores rampas da rede e das curvas mais cerradas, para chegar a Estremoz. A continuação para Portalegre durou apenas 40 anos, fruto de uma estação lá bem longe e de um percurso que podia demorar 3 horas à saída de Évora.

13 – Ramal de Vila Viçosa

Um curto ramal com bom traçado que sofreu pelo facto de entroncar na já citada linha Évora – Portalegre.

14 – Ramal de Montemor

Ligando Torre da Gadanha a Montemor, um dos erros de desenho da rede alentejana, que conseguiu o feito de por Montemor, Évora e Beja em três eixos distintos, dispersando uma massa crítica já de si bastante reduzida.

15 – Linha Beja – Ourique

Traçado favorável e uma redundância potencialmente interessante. É mantida em pousio desde 2012, com passagens regulares de draisines. No futuro, poderia aproveitar da nova linha Évora – Caia.

16 – Linha de Sines (fechada a passageiros)

A linha sai de Ermidas-Sado, obrigando os comboios a fazerem um grande desvio a partir de Grândola. Só de Ermidas-Sado a Sines demoram-se 40 minutos, mais ou menos o mesmo que de carro se demora de Sines a Setúbal.

17 – Linha do Douro, Pocinho – Barca d’Alva

Desactivada depois de Espanha ter desactivado o troço do outro lado da fronteira, marcado por muitas obras de arte, curvas muito apertadas e rampas enormes. Os tempos de viagem eram muito elevados e a linha altamente desaconselhável a comboios de mercadorias, que tinham de ser leves.

18 – Ramal de Reguengos

Projectado para ligar Évora com Zafra, nunca passou de Reguengos e assim que foi construído logo se iniciaram os estudos recomendando o seu fecho. O seu traçado também nunca pareceu o de uma linha estabelecida na planície alentejana.

19 – Ramal de Moura

Quando fechou, em 1990, tinha ainda muita gente. Fechou demasiado cedo, sem dúvidas. Hoje basta olhar para um mapa e ver o que fazia o ramal para chegar a Moura, flectindo para Sul para tentar chegar a Serpa (ficava bem longe) antes de voltar para cima para Moura.

20 – Ramal de Aljustrel

Essencialmente um ramal mineiro.

Aonde quero chegar com isto tudo? Tirando Ramal da Lousã, de Monção e o caso especial de Beja – Ourique (pela redundância que proporcionaria, a baixo custo), nenhuma outra linha que fechou poderia hoje ser uma solução de mobilidade ferroviária capaz de captar gente e carga, para assim desempenhar um papel por uma mobilidade mais sustentável e uma maior coesão territorial. Eventualmente o Corgo e o troço terminal do Douro poderão ter interesse turístico, com reactivações em moldes distintos dos que seriam necessários para serviço de massas.

Infelizmente a rede portuguesa foi sempre mal projectada, com rampas elevadas mesmo em zonas de planície, estações longe dos centros urbanos, traçados demasiado lentos e curvilíneos. Reabrir erros seria um erro em si mesmo. Cidades como Amarante, Bragança, Vila Real, Portalegre ou Viseu precisam de vias ferroviárias que sejam capazes de se impor pela qualidade dos seus serviços e não por compaixão das suas populações. Reabrir o que existia é um erro tão grande como é um erro reaproveitar alguns traçados existentes, que deviam ser fechados e substituídos por linhas que fizessem sentido – veja-se o caso da linha do Oeste e a sua entrada em Lisboa.