Estratégia Territorial aplicada à rede ferroviária

Estratégia Territorial aplicada à rede ferroviária

25 Junho, 2017 1 Por Joao Cunha

No início de 2016 o parlamento pediu ao Governo que entregasse um plano ferroviário nacional novo até ao final desse ano.  Creio, honestamente, que não foi entregue.

Falamos por estes dias de coesão e ordenamento do território e parece-me que é muito apropriado incluir estes temas num plano ferroviário nacional. Afinal de contas, como o concebo, semelhante plano não pode partir de elementos difusos e até desligados entre si mas de uma hierarquização clara do território.

Em primeiro lugar o Estado deve elencar, como para qualquer infraestrutura, qual o nível de serviço que pretende para cada espaço territorial. Como exemplo, Espanha consensualizou há mais de 15 anos que todas as capitais de província devem ter alta velocidade ferroviária. Todo o desenho da rede desde então tem sido feito com esse princípio orientador.

Do que me lembro, no Portugal democrático apenas uma pessoa ousou ter uma visão estratégica para a rede ferroviária e o território. Ana Paula Vitorino, talvez por 2006 ou 2007, disse que pretendia 85% da população a viver num território em que deslocações ferroviárias demorassem sempre menos de 3 horas. Não é um exemplo perfeito de relação entre estratégia para uma rede ferroviária e hierarquização territorial, mas andou lá perto.

É certo, e vale para todas as infraestruturas, que este tipo de enunciados terá alguns efeitos perniciosos imediatos: não orientação em prioridade de verbas para projetos de maior retorno económico imediato ou a orientação de fundos para projetos até sem qualquer retorno directo. Não concebo no entanto que se possa pretender enquadrar o problema dessa forma quando falamos de estruturar o território de modo a conseguir o desejável desenvolvimento minimamente coeso, para não nos lamentarmos eternamente dos desequilíbrios territoriais, da falta de atividades económicas em grande parte do país e até de problemas de soberania que são reais em territórios não ocupados.

Em Portugal o território está hierarquizado fundamentalmente em torno de capitais de distrito, sedes de concelho e freguesias. Com exceção das últimas, defendo que é fundamental que se definam os níveis de serviço que o Estado presta em cada uma delas.

Que cada capital de distrito em Portugal Continental não tenha assegurada uma ligação ferroviária de qualidade real é uma clara omissão de qualquer plano ferroviário que possa vir a ser apresentado. Maiores ou mais pequenas, Bragança, Vila Real ou Viseu são cidades-âncora de territórios e atividades económicas. Da mesma forma que outras capitais de distrito como Portalegre, Beja, Castelo Branco e Leiria não se podem contentar com um serviço ferroviário medíocre como o que têm.

É evidente que, para lá da visão estratégica para o território no seu conjunto, surgirão também num plano o que são realidades específicas. Maiores corredores de população a necessitarem de mais infraestruturas, obstáculos naturais a pedirem soluções mais arrojadas ou até a reconfiguração de acessos para possibilitar ganhos de escala (como defendo para Beja).

O que é claro é que pensar-se num plano ferroviário sem pensar-se na hierarquia dos territórios e níveis de serviço que cada hierarquia deve ter assegurada é absolutamente errático. Mesmo que logo à partida pareça perfeitamente inviável economicamente colocar comboio em Bragança ou Vila Real o nosso território é este e merece oportunidades idênticas – é aliás um preceito da nossa organização como sociedade, vertida na constituição da República.