
Plataformas de passageiros – indesculpáveis mínimos olímpicos
Apesar de tentar limitar a crítica e ter alguma compreensão, a verdade é que o estado a que a Infraestruturas de Portugal chegou não deixa margem para dúvidas de que necessita de uma profundíssima reforma. Manter o status quo será condenar as refrescantes ambições que o poder político quer transmitir.
Hoje falo de plataformas de passageiros – é um misto de denúncia e de desabafo. Nas renovações dos últimos anos, a IP decidiu fazer tábua rasa de todas as boas práticas consolidadas em matéria de desenho e execução de plataformas de passageiros, ignorando as normas vigentes e o bom senso, trocados por aleatoriedade.
Vamos a alguns exemplos e depois o contraditório. Na renovação da linha do Minho, a maioria das estações e apeadeiros foram deixados com plataformas alteadas em apenas 70 a 100 metros, o comprimento suficiente para uma automotora de três caixas, apenas. Na linha do Minho sempre foram comuns circulações com duas automotoras (150 metros) e até comboios de carruagens muito reforçados, nomeadamente por altura das festas da Senhora da Agonia, por vezes com mais de 10 carruagens (300 metros).
Na linha da Beira Baixa, o troço Covilhã – Guarda reabriu com plataformas de 80 metros. Por lá passam diariamente automotoras de três caixas (tudo OK) e serviços Intercidades cujo comprimento das composições atinge, e por vezes excede, os 200 metros. Historicamente, no resto da linha, isto sempre foi usual.
Na linha da Beira Alta, que está agora em renovação (segundo a propaganda da IP agora ecoada pela tutela, a maior renovação de sempre – obviamente mentira, seja qual for o critério de análise), os apeadeiros terão uma plataforma de apenas 100 metros de extensão – mais uma vez, aptos a apenas uma automotora de três caixas. Nesta linha, até ao seu encerramento temporário, sempre foram habituais circulações com o dobro do comprimento. Nas estações, o comprimento usual é de 200 metros (7-8 carruagens, no máximo). Na renovação dos anos 90, as plataformas então erguidas (agora a serem refeitas, nomeadamente para serem alteadas) eram muito maiores, significativamente maiores.
Além do tema dos comprimentos, cuja inadequação à operação é óbvia e levanta questões de segurança num país que tem demasiados incidentes por queda de passageiros dos comboios, a IP foi também noticia nos últimos anos por altear plataformas para alturas desfasadas das normas (caso de Alcântara-Terra), normas que são a base para o fabrico dos próprios comboios e que por isso forçam o casamento harmonioso entre plataforma e comboio.
O que se vê nesta aleatoriedade não encontra paralelo na história dos caminhos de ferro portugueses – provavelmente, nem na inauguração dos caminhos de ferro no século XIX, se fizeram plataformas de apenas 70 metros. Além do mais, é contrariado pelo regulamento da União Europeia nº 1299/2014, que passa a papel e a obrigação as boas práticas da matéria, tendo em vista a harmonização de condições de circulação e de desenho de infraestrutura e comboios.
Como se lê no 4.2 das especificações técnicas e funcionais do sistema, existem comprimentos de referência para as plataformas de passageiros:

A linha da Beira Alta é uma linha que pertencerá, segundo esta filosofia, ao código P3 ou P4. Mas mesmo que no limite pudesse estar em P1520 ou P1600 (já agora, perfis para bitola russa ou irlandesa), aplicar-se-ia o seguinte:

Ora, em todos os casos das obras mencionadas circulavam, circulam e previsivelmente circularão comboios que excedem claramente as plataformas de passageiros que estão a ser executadas. O horizonte a dez anos é ainda mais esquecido, quando o próprio justificativo para a obra, apresentado pela IP em momento próprio, sustenta que em todos os casos é expectável um aumento do número de passageiros. Ou seja, nunca as necessidades de tráfego a dez anos são, expectavelmente, inferiores às que existiam – que já obrigavam (não é questão de recomendação, é obrigação) à disponibilização de plataformas substancialmente mais longas.
Este total alheamento da IP das suas obrigações enquanto projectista e gestora da rede são preocupantes até porque isto é sabido de todos no meio – e aqui incluo a tutela. A IP comporta-se como se fosse um Estado fora do próprio Estado, com as regras que acha por bem implementar para si, muitas vezes até aleatórias (como se vê nos 3 exemplos, nem sequer existe unanimidade nos tamanhos disponibilizados).
O que está a ser implementado é um grave risco de segurança no pressuposto de que a operação (e bem, quanto a mim) não limitará excessivamente a oferta ou então, alternativamente, será uma insuportável limitação à oferta, condenada a oferecer meia dúzia de lugares independentemente do horário, da sazonalidade ou até do sucesso da renovação da infraestrutura – afinal de contas, é a IP que diz que estas obras que faz vão ter resultados fantásticos na operação.
Somos um país com demasiados incidentes provocados por passageiros que saem para a linha sem plataforma junto ao comboio – estas renovações do Ferrovia 2020, suportadas com dinheiro europeu (fará falta que a UE também comece a fiscalizar estes detalhes???), aprofundam problemas de segurança e constituem entraves adicionais à competitividade do meio ferroviário, sendo ao mesmo tempo um grave e inadmissível desrespeito pelos normativos em vigor, comportamento reiterado e repetido que em qualquer lugar do mundo permitiria concluir a quem de direito a necessidade de profunda reestruturação de uma empresa tão importante e com atitudes destas.
A IP tal como está é um passivo insuportável para a nossa rede e este é apenas um episódio mais. Para quem não estiver convencido, convido-vos a ler a resposta (e o seu tom) que a IP deu à entidade responsável pela investigação do grave acidente de Soure de Julho de 2020, onde se pode atestar alguma má fé e o mais completo menosprezo pelo sistema ferroviário como um todo.
Se nada mudar… bem podem prometer mundos e fundos. Ninguém pode dizer que isto é uma surpresa. A mim, sinceramente, começa a faltar sequer vontade para alertar para o que devia ser mera higiene na gestão do sistema. Se calhar o problema é de pessoas como eu.
Somos todos, figurantes, numa plataforma económica giratória, onde o que nos importa é a desculpa para jogar e sacar.
O resto são só interpretações teatrais de chico espertos, que se vendem e trocam favores nos encontros partidários.
Estou certo que quando já não existir possibilidade de recuo e os fundos estiverem esgotados o Ministério Publico, vai abrir um Mega Processo, demorar 10 anos ou mais a chegar a julgamento; e por fim , todos os acusados estão tesos, divorciados e a viver num lar da Santa Casa da Misericórdia.
É inacreditável parece que n existe fiscalização mas para min o expoente máximo desta situação é a linha 1 em aveiro. Numa das principais estações do pais o ic se vem com mais de 8 carruagens ja nao cabe na plataforma