Relatório preliminar sobre o acidente do Elevador da Glória
20/10/2025O GPIAAF divulgou o relatório preliminar sobre o acidente do Elevador da Glória, que precede o relatório final e cuja preparação e publicação deverá demorar ainda cerca de um ano, com o aprofundamento exaustivo da investigação.
No entanto, não existindo ainda uma clara definição do que causou o terrível acidente do passado mês de Setembro, o relatório agora conhecido lança já luz sobre procedimentos desajustados e não conformes, e emite desde já as primeiras recomendações de segurança.
De forma muito resumida, aconselhando-se a profícua leitura que o relatório merece, é já possível constatar:
- O acidente deu-se a uma velocidade de cerca de 50 km/h, apesar da activação do freio do veículo (sistema pneumático e rodas), o que apenas contribuiu para abrandamento da aceleração;
- O cabo de tracção era de um tipo diferente ao previsto, e pelo menos parcialmente não conforme com as especificações – que previam cabos aptos a instalações com destorcedores, como é o caso do Elevador da Glória, o que não é compatível com o cabo adquirido;
- Foram encontrados no cabo indícios de roturas progressivas dos pequenos cabos que formam o cabo de tracção, tendo o cabo enrolado após a rotura;
- A equipa de engenharia da Carris desde 2020 não era chamada à verificação dos cabos adquiridos, tendo a alteração do tipo de cabo comprado sido posterior a esse momento, não existindo verificação de qualidade na recepção do cabo;
- O pessoal da manutenção era formado nas actividades mais críticas por transmissão de conhecimento empírico de funcionários da Carris e no fundo a empresa de manutenção apenas disponibilizava meios humanos para a manutenção, depois formados e fiscalizados pela própria Carris, sem que existisse alguma exigência para a existência de capacidades avançadas de engenharia do lado do prestador;
- A regulação interna da Carris sobre procedimentos de manutenção é claramente reduzida, e em muitos casos mesmo ausente apesar das normas europeias que especificamente focam aspectos críticos do funcionamento;
- A pinha – a amarração do cabo no trambolho – foi testada e apresentava uma densidade excessivamente baixa, tendo o GPIAAF constatado que não existiam testes de validação da sua fundição, nem sequer normas estabelecidas para o processo a realizar e ligas metálicas a empregar;
- No desenho técnico da pinha a realizar a cada amarração nova de cabo devia existir uma anilha que, apesar do desenho em vigor datar da década de 1960, ninguém na Carris alguma vez se lembra de ali ter sido instalado;
- O vazio legal resultante do entendimento partilhado entre Carris e INTF/IMT implicava que estes elevadores não fossem reconhecidos como funiculares, apesar de do ponto de vista de risco com eles partilharem o essencial das preocupações. É extensível também aos carros eléctricos em circulação nas ruas de Lisboa e implica que na realidade a responsabilidade de fiscalização, certificação e validação geral da adequação de práticas e dos veículos se circunscreva ao próprio operador, ao arrepio de todos os princípios observados por exemplo no transporte ferroviário convencional e nos funiculares;
- O freio de emergência nunca foi testado nas últimas décadas, ao aparentemente ninguém na Carris se lembrar de tal ensaio mas existindo a crença de que apenas a não quebra do cabo de tracção poderia evitar acidentes graves;
- O sistema de freio das cabines estava degradado face à concepção original de 1914, desde logo por aumento de peso das cabines feita à medida de renovações e reforços, sem que o dimensionamento dos freios fosse revisto.

Existem muitas coisas que a investigação vai aprofundar, onde se contam ensaios laboratoriais diversos e a simulação da capacidade de frenagem da cabine que resistiu intacta, estando em construção o equipamento que permitirá fazer esse teste em condições reais. Só depois o GPIAAF tirará conclusões finais do que provocou realmente o acidente, sendo que as várias evidências já encontradas não permitem ainda ao GPIAAF concluir que alguma delas tenha desempenhado um papel totalmente determinante no trágico desfecho.
Entre as primeiras recomendações emitidas encontra-se a não reactivação dos restantes elevadores sem ser feita uma análise profunda às necessidades funcionais e de segurança a preencher previamente, à determinação de regimes regulatórios que incluam estes veículos mas também os carros eléctricos e à definição de normas internas de operação e manutenção na Carris que incorporem as práticas internacionalmente aceites para este tipo de veículos.
O relatório está disponível em: https://www.gpiaaf.gov.pt/detalhe-noticias?uri=1670

