A tão aguardada renovação do serviço Alfa Pendular
29/01/2016Adiada há vários anos sobretudo por motivos financeiros, a renovação dos comboios pendulares está finalmente em curso e promete ser a cura de juventude que os comboios há muito pediam. A frota que é a jóia da coroa da CP não podia continuar adiar a sua atualização, sobretudo num período de forte concorrência aérea.

Aspeto atual da Classe turística.
Já aqui escrevi sobre o paradoxo do país onde ao mesmo tempo uns dizem não haver mercado para a alta velocidade e ao mesmo surge uma ponte aérea para apenas 300 quilómetros de distância, caso único nas últimas décadas no continente europeu. O certo é que este paradoxo existe – não sabemos por quanto tempo – e o comboio deve continuar a mostrar que é, de muito longe, a única solução de mobilidade coletiva que é ao mesmo tempo sustentável económica e ambientalmente.
Para isso, esta renovação dos comboios pendulares é vital, como será vital a vinda de mais material circulante como os S-120 da Renfe, caso se confirme. O que a introdução dos comboios Alfa tinha iniciado, os Alfa Pendular concretizaram: tornar o comboio atrativo o suficiente para cativar as grandes massas e, em particular, aquelas que mais proveitos geram: a classe média-alta.
Com os Alfa Pendular, a CP pôde multiplicar várias vezes os seus proveitos com os comboios topo de gama. As frequências foram-se multiplicando e até a oferta Intercidades aproveitou o ímpeto, reforçando-se já não como marca de topo, mas como o complemento para quem quer pagar menos. O que hoje vemos no eixo Lisboa – Porto é paradigmático do êxito comercial da ferrovia.
A aposta na primeira classe faz todo o sentido. O segmento a que o Alfa Pendular se destina tem, em grande medida, uma grande expetativa relativamente ao conforto a bordo e à possibilidade de a viagem se tornar numa experiência de total tranquilidade e descanso, mesmo que o tempo seja ocupado a trabalhar. Por esse prisma, a renovação mais profunda da 1ª classe (Conforto) face à 2ª (Turística) faz-me todo o sentido. Pelas imagens que conhecemos nomeadamente através do Portugal Ferroviário, que desde a primeira hora permitiu a milhares de pessoas verem os Alfas do futuro, a 1ª classe vai atirar-se para os melhores padrões europeus nesta matéria.
É fundamental haver capital para investir nos caminhos de ferro, após anos de pornográficos e despropositados investimentos em estradas. O Caminho de ferro em Portugal tem condições para permitir ao país modelos mais sustentáveis de mobilidade. Além disso, a dimensão do país torna a aposta no avião para circuitos interiores numa bizarria pouco compreensível e até excêntrica. O que reforça o papel que o comboio pode desempenhar.
A chegada dos S-120 é fundamental quanto mais não seja pela novidade. É preciso que as pessoas vejam que há movimentação, que há futuro, que há novidades. Dentro em breve, a CP poderá chegar a Badajoz passando por Évora e Elvas, poderá chegar com comboios elétricos 25.000V a Salamanca e também a Viana do Castelo e Valença. Há vários mercados interessantes que se podem abrir a uma exploração eficiente do ponto de vista energético e ambiental. E para isso a CP necessita dos meios para poder corresponder à aposta feita nessas infraestruturas.
A frota de Intercidades certamente merece também debate, pois tem-se revelado um produto decisivo para aumentar a importância e visibilidade do meio ferroviário. Se a oferta topo de gama é vital e representa um valor enorme, a oferta complementar com mais paragens e preços mais baixos é vital para assegurar a globalidade do mercado ferroviário e funciona, a médio e longo prazo, como um promotor da transferência de viagens para o segmento topo de gama. Em Portugal, como noutros países com percursos similares.
Certo é que esta renovação acontece numa altura fundamental. Depois de uma grande revolução comercial na CP nestes últimos anos, a CP quebrou muito do imobilismo que a caracterizava e largou-se no campo onde a batalha pelos clientes se trava no dia-a-dia. Se já conseguiu estar mais no centro da vida de muito mais pessoas, a operação de material circulante atualizado, moderno e confortável é uma obrigação sem a qual todo o esforço feito até agora poderá ser de resultados efémeros. Parece-me que se caminha na boa direção, saibam as sucessivas tutelas ser o apoio que a gestão desta empresa em particular necessita.
João Cunha