Investimento Ferroviário – ponto de situação na CP

Investimento Ferroviário – ponto de situação na CP

18 Setembro, 2023 0 Por Joao Cunha

Oito anos passados de tomar posse e quase cinco anos depois da constatação da maior crise ferroviária da nossa história, que então estava no seu auge, não há mais terreno para desculpas nem para propaganda. Vamos a contas – afinal, como está a melhoria do investimento ferroviário no sector?

O primeiro artigo aborda a CP.

O que estava previsto em 2018

Muito embora não vocacionado para a recuperação de capacidade que foi activada a partir de 2019 com a entrada de Nuno Freitas no CA da CP, já existiam investimentos previstos e orçamentados em 2018. Aqui fica a lista e respectivo estado:

Nome do ProjectoPrevisão de ConclusãoEstado em Setembro 2023Previsão de Conclusão
Renovação de meio de vida dos comboios pendulares2019Concluído
Instalação de sistema de controlo de portas nos comboios Intercidades2020A começarAlgumas locomotivas e carruagens equipadas. Sem data para iniciar serviço
Instalação de GSM-R em 5 séries de material motor2019A meio
Wifi em comboios urbanos2019Não iniciado
Revisão de carruagens Intercidades – Sorefame e CorailIniciar em 2019Não iniciadoExiste apenas um protótipo, em oficina desde 2019
WCs estanques nas carruagens Intercidades2020Iniciado em 2023Existe uma carruagem a testar o protótipo
Comboio histórico de via estreita2017Concluído
Revisão às unidades encostadas 2400 e 350020192022Foi anunciado em 2019 como novidade, mas já estava previsto

O que foi anunciado em 2019/2020

Quando as hostes socialistas finalmente assumiram que haviam um problema – porque até 2019 negavam até aquilo que eu tinha aqui escrito no blog sobre os problemas e como se poderiam resolver – foi anunciado um grande plano de recuperação de material circulante para permitir restabelecer a oferta – que, note-se, era e ainda é a do período da Troika, quando a procura caiu acentuadamente.

ProjectoNr UnidadesPrevisão ConclusãoUnidades Prontas (Set 2023)Comentários
Recuperação de carruagens Schindler sem AC para linha do Douro19202119
Recuperação de locomotivas 2600 para novas linhas electrificadas21202313Decorre finalização da 14ª
Renovação de carruagens ARCO adquiridas a Espanha36202318
Renovação de carruagens convencionais adquiridas a Espanha1420230Tanto quanto se sabe, não se conhecem planos da renovação – objectivos e destino final
Renovação das UDD 0450 da linha do Algarve e Alentejo1020230Não existe protótipo nem sequer remotorização / motorização nova adjudicada
Recuperação de locomotivas 1400820217Última em recuperação
Renovação das UDD 9630 da linha do Vouga7TBD0Continua sem datas, objectivos ou sequer confirmação de realização
Recuperação de carruagens SorefameN/A202110?Têm sido respostas ao serviço várias unidades que estavam em reserva de frota, para a linha do Douro

Entretanto a CP perdeu um dos 10 comboios pendulares (o 4005, envolvido no gravíssimo acidente de Soure, em 2020) e continua sem avançar com a renovação das carruagens dos comboios Intercidades, já prevista anteriormente, e que se encontram num estado para lá de lastimável.

Ainda no capítulo do material, vale a pena mencionar a recuperação de algumas unidades Allan 0350 (de 1954!) para serviço na linha do Leste e de três locomotivas 1550 (a última delas ainda em recuperação) para garantir comboios-socorro, não necessariamente previstas em 2019 como parte do plano de recuperação de oferta, mas ainda assim a destacar.

No plano de comboios novos, foi ainda concluído, com muito atraso e apenas em 2022, a formalização da adjudicação de 22 comboios regionais, cuja entrega acontecerá apenas a partir de 2025.

A encomenda de 117 comboios, lançada já em 2020, continua sem decisão de adjudicação, apesar de 2022 o ministro Pedro Nuno Santos garantisse que o Outono de 2022 seria o momento de avançar para essa decisão, prelúdio do processo administrativo de confirmação da encomenda (que, no caso, nem se afigura simples). Nesta encomenda estão os 34 comboios necessários para a linha de Cascais, em curso de reelectrificação, e que assim sendo nunca chegarão antes de 2027 ou 2028, um prazo bem para lá do final previsto das obras na linha.

Boa parte destes planos foram propagandeados em cerimónias públicas e em apresentações de políticos e dirigentes em vários momentos ao longo destes anos.

Quadro de pessoal

Entre a propaganda “cover my ass” de 2019, encontrava-se o preocupante testemunho sobre o que anos da troika tinham feito no quadro de pessoal, onde desde logo as oficinas tinham perdido capacidade (constatável também por o parque de material ter decrescido em conjunto com a oferta).

Quadro de pessoal no final de 2019 (CP + EMEF reunidas): 3.655 trabalhadores

Quadro de pessoal no final de 2022 (CP + EMEF reunidas): 3.750 trabalhadores (+2,5%)

Em 2022, por comparação a 2021, a CP até perdeu – saldo negativo de 34 trabalhadores. 11,1% de trabalho suplementar foi registado, comparado com 14,1% em 2019. O absentismo em 2022 foi de 7,7%, contra 7,2% em 2019. Em ambos os casos, números de grande insustentabilidade mas basicamente significando que, entre efectivo e horas trabalhadas, a CP na realidade tinha menos produção em 2022 do que em 2019, apenas olhando aos seus efectivos.

Entre as áreas críticas que serviu à propaganda de 2019, a antiga EMEF + direcção de engenharia da CP somavam à data 1.009 pessoas na EMEF e 55 pessoas na CP (registadas como “direcção de material”), o que compara com um total de 1.106 pessoas em 2022 – apenas mais 42 pessoas, quando se reabriram as oficinas de Guifões, só para citar um exemplo. Isto talvez explique a lentidão imensa que há na renovação de material circulante – pelo menos do lado do pessoal, parece que ter reaberto Guifões é mais ou menos indiferente dado que o quadro de pessoal não cresceu assim tanto.

Do lado da operação, em 2019 podem-se inferir 2.150 trabalhadores, o que compara com 2.226 em 2022, um crescimento de apenas 76 pessoas. Em 2023, existem supressões diárias por falta de revisores e muitos serviços são realizados sem revisor mas com pessoal de apoio comercial, desguarnecendo bilheteiras e outras fontes de receita da CP.

A oferta da CP

As grandes alterações na oferta neste período são, para não dizer mais, curtas.

  • Reforço de ligações Casa Branca – Évora, com extensão dos comboios Beja – Casa Branca;
  • Duas ligações diárias Entroncamento – Badajoz – não existe ainda evolução para melhorar ligação com a alta velocidade espanhola;
  • Electrificação da linha do Minho sem qualquer melhoria de oferta;
  • Linha do Norte com um serviço Alfa Pendular a menos, por dia (e logo o das 20h de Lisboa para Norte);
  • Existe agora até a benesse da não existência de comboios na linha da Beira Alta;
  • Supressão dos comboios Internacionais Lusitânia Madrid – Lisboa e Sud Expresso Lisboa – Hendaye;
  • Reforço da oferta na linha do Douro durante todo o ano (pelo menos aos fins de semana, maioritariamente toda a semana) com um comboio de ida e volta do Porto ao Pocinho;
  • Um comboio Intercidades Lisboa – Évora – Lisboa suplementar.

E pronto, foi isto. Na área de Lisboa, apesar da maior disponibilidade de material circulante nas linhas de Sintra e Azambuja e apesar do enorme aumento de procura, a oferta continua igual à do tempo da troika. O capítulo do pessoal revela eventuais justificações.

Conclusão

Podemos ainda relembrar que, apesar do processo ter sido imposto pela Troika, a reestruturação da dívida da CP continua por concluir, tal como a clarificação do que será o seu figurino institucional futuro.

Tudo isto são dados objectivos. Outros subjectivos ligados à forma como estão a ser usados os recursos ou geridas operações têm melhor resposta com dados de pontualidade e regularidade – que não andam brilhantes.

Passados estes anos, o saldo do investimento ferroviário na CP é este. São 8 anos de governo e mais de 4 anos desde a grande propaganda Pedro Nuno Santista. Cada um pode ajuizar se isto é o que queremos e o que se exigiria neste período de tempo.