Resposta de Henrique Neto e Mário Lopes
Este artigo vem na sequência do meu artigo http://portugalferroviario.net/politicas/2020/07/07/ainda-a-bitola-resposta-a-henrique-neto/
João Cunha teve a amabilidade de responder ao texto que publicámos sobre a questão da ferrovia. Todavia, como está a acontecer com a maioria dos textos publicados, confunde-se o essencial com o acessório, aquilo que o autor imagina com aquilo que nós escrevemos. Assim proponho uma nova metodologia: analisar a questão do ponto de vista dos utilizadores da ferrovia. A ferrovia, como qualquer outro meio de transporte ou actividade económica, ou serve as necessidades dos clientes ou utilizadores, ou a sua existência não faz sentido. Neste contexto faz sentido clarificar porque é que Portugal precisa, com urgência, de uma linha ferroviária em bitola UIC (bitola europeia) para o centro da Europa. A nossa resposta é a seguinte:
1- Porque a União Europeia decidiu liberalizar o mercado ferroviário na Europa e criou um programa de apoio financeiro para modernizar as redes ferroviárias e permitir a interoperabilidade dos comboios de todos os países nas linhas europeias. A Espanha aproveitou e iniciou um processo de renovação de parte do seu sistema ferroviário com a prioridade inicial de passageiros (Madrid-Sevilha, Madrid-Barcelona e Madrid-Valencia) mudando depois a prioridade para mercadorias, nomeadamente nas ligações a França, destino das suas exportações. A ligação em bitola UIC na Catalunha já funciona e dentro de dois anos funcionará a ligação através do País Basco. Portugal acordou na Cimeira da Figueira da Foz com esse programa e depois nada fez.
2- Porque a União Europeia decidiu, por razões energéticas, ambientais e de congestionamento das estradas, contrariar o uso do transporte de mercadorias por camião, através de custos adicionais para o transporte rodoviário, como taxas de atravessamento e potenciar as energias renováveis de produção de electridade, usada na ferrovia.
3- Sabendo que os governos portugueses se desinteressaram dos acordos da Figueira da Foz, a Espanha passou a privilegiar o aproveitamento do corredor Atlântico em direcção à Galiza e a acelerar a construção do corredor do Mediterrâneo em direcção ao seu porto de Algeciras, concorrente principal do nosso porto de Sines. Com intenção, ou por acaso, os espanhóis espreitaram a oportunidade para criar plataformas logísticas ao logo da fronteira portuguesa, preparadas para receber as exportações portuguesas nos comboios da Medway em bitola ibérica ou por camião. Razão para estarem a electrificar, depois de dezenas de anos, a linha de Salamanca a Vilar Formoso em bitola ibérica. A necessidade de transbordos nessas plataformas logísticas sem acrescentar qualquer valor às mercadorias será uma barreira às exportações portuguesas. A diferença de bitola entre ambos os lados não só será uma barreira aos comboios portugueses mas, porventura pior, impedirá os comboios europeus de chegarem a Portugal.
4- Todas as fantasias de eixos variáveis para resolver o problema da bitola no transporte de mercadorias de Portugal para a Europa, são isso mesmo, fantasias. Agradeço a João Cunha que nos informe onde estão a funcionar de forma competitiva – são tecnologias especiais, logo caras, limitam os pesos a transportar, logo transporte mais caro, etc. Repetimos, por favor, digam-nos onde há, quanto custa e as vantagens/ desvantagens desta solução. Também agradecemos que não repitam o chavão da mudança de toda a nossa rede ferroviária imediatamente (o processo não é instantâneo) e parem de assustar as pessoas com o custo. Ninguém no seu juízo pretende mudar toda a nossa rede ferroviária para bitola UIC de um dia para o outro e ainda que defendamos novas linhas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, que também servirão para a ferrovia concorrer com o avião, a prioridade absoluta é a ligação à Europa de mercadorias, e neste contexto a Linha mais importante para Portugal é Aveiro-Salamanca. Estas Linhas novas permitiriam não só ligações directas de Portugal à Europa por serem em bitola UIC, mas também resolver outros problemas de falta de competitividade dos traçados da rede actual, em particular em termos dos raios das curvas em planta (que limitam a velocidade dos comboios de passageiros) e da inclinação das rampas (que limitam o peso da carga rebocada, elemento fundamental da competitividade do transporte de mercadorias). Além disso, ligando estas linhas a plataformas logísticas e estações de agregação de cargas, o problema dos 40 pontos de transbordo referido por João Cunha não existiria, porque as empresas exportadoras, na sua maioria, embarcariam as suas mercadorias em comboios para o centro da Europa nessas plataformas ou estações.
Dito isto, pensamos não ser preciso fazer um desenho para explicar o que acontece se as linhas aptas para tráfego competitivo de mercadorias, ou seja, directas e sem obrigarem a transbordos, para a Europa continuarem a ser vetadas pelo Governo. Os empresários do sector exportador que o digam: (a) ficam dependentes das plataformas logísticas em Espanha, nossos concorrentes, nomeadamente nas expedições just in time, como componentes automóvel; (b) não aproveitaremos a descida dos preços derivados da liberalização do mercado ferroviário, já que os comboios europeus não poderão entrar em Portugal; (c) sendo a distância a percorrer pelas nossas mercadorias maior do que a dos nosso concorrentes, teremos os custos adicionais de armazenamento e transbordo; (d) como é previsível, que no futuro próximo teremos camiões transportados em plataformas ferroviárias, sistema já em uso em alguns países europeus, ficamos privados do mais moderno sistema de transporte de mercadorias que é o da porta a porta, ou seja, custos e tempos mínimos.
Terminamos com uma incompreensão e um apelo. A incompreensão é qual a razão porque queremos ser os mais modernos da Europa e do Mundo para produzir hidrogénio verde e, ao mesmo tempo, pretendemos manter relíquias ferroviárias do século XIX. O apelo é que pensemos na ferrovia como instrumento para potenciar as exportações portuguesas.
31-07-2020
Henrique Neto e Mário Lopes