
CP – um excelente resultado económico
O Público noticiou, e a CP depois confirmou, os primeiros resultados positivos do pós-guerra na CP. 8 milhões de Euros de resultado líquido é o número que entra para a história e que, como explico abaixo, garante que a CP tem todas as hipóteses de ter entrado nos eixos economicamente.
Alicerces e dúvidas
À falta de conhecermos o relatório e contas, onde vamos poder aquilatar a sustentabilidade do resultado e outros méritos, o que parece evidente é que a contratação de serviço público que o ex-presidente Nuno Freitas negociou em 2019 terá sido provavelmente a melhor negociação da história da empresa.
De facto, pelo que se vê dos anexos ao contrato que estão já publicados na página da CP, a empresa conseguiu que o Estado aceitasse níveis de serviço virtualmente impossíveis de falhar e o valor anual para este nível de serviço parece estar ancorado na estrutura de custos histórica da CP e não num qualquer benchmark com outras empresas europeias, ou sequer com a Fertagus.
Em resumo, a CP conseguiu em 2019 que o Estado subsidie os serviços sem grandes garantias de qualidade nem grandes garantias de eficiência, o que pode tornar a gestão económica da empresa muito mais simples. Chapeau a Nuno Freitas e à sua equipa de então – quase toda ainda no conselho de administração da CP – pois foi o protótipo de negociação em prol da empresa que gerem – afinal, a sua máxima prioridade.
O fim dos gastos de 2 milhões em Marketing foram um contributo importante (25% do resultado líquido), um gasto evitado que possivelmente não terá feito grande falta, dado que o nível que era exibido nos tempos desse gasto não parecia grande value for money…
Outro destaque é a CP conseguir este resultado ainda antes de finalizar a reestruturação da dívida, ainda mantendo um peso excessivo de encargos financeiros com a mesma (cerca de 30M€, pelo que é noticiado), valores que descerão substancialmente se, como o ministro João Galamba ainda ontem afirmou, este for o ano de deixar a CP saneada, por fim.
Estes resultados devem ser um grande incentivo para a CP procurar ainda melhor – a folga económica que está a ganhar e que se prova ser bastante importante pode ser decisiva para alcançar patamares competitivos de excelência. O desperdício desta oportunidade será transformar esta vantagem competitiva numa simples margem para laxismo.
Quanto às maiores dúvidas, aparecem na sustentabilidade da frota. A CP está certamente a operar em valores de depreciação da frota próximos do mínimo possível a uma empresa ferroviária, dada a vetustez de boa parte da sua frota e do facto de nesta altura estar basicamente a depreciar os valores acrescentados ao activo com as revisões gerais e renovações, apenas. É necessariamente verdade que uma CP revigorada terá neste custo fixo um grande aumento nos anos que se seguirem, algo que vai pressionar esta margem económica que agora se constata e que também resulta do atraso na renovação da frota da empresa. Este é um factor importante também na altura de analisar se a margem introduzida no contrato de serviço público é ou não excessiva – uma análise aos requisitos desse contrato virá em breve.
Sim, mas a CP recebeu muito dinheiro!
É um facto. 85 milhões de subsídios à exploração e, se o fim da reestruturação financeira for por fim aprovado este ano, cerca de 3.200 milhões de euros em capital, culminando o que a Troika havia identificado como fundamental para sanear a empresa, há dez anos.
O princípio da subsidiação da exploração é pacífico e partilhado por todos os quadrantes políticos – em linha com as melhores práticas de estruturação do território e de promoção de políticas de acessibilidade, mobilidade e de sustentabilidade geral compensa muitas vezes o Estado assumir valores de bilhética abaixo do preço de mercado e/ou sustentar ofertas de volume deficitário, pelo que a sua operação só é viável com a subsidiação da oferta. Podemos criticar ter sido atribuída por ajuste directo, podemos criticar os padrões de serviço que estão a ser remunerados com estes valores, mas não me parece que seja sério dizer que a CP só tem lucros devido ao subsídio à exploração – se a obrigação da empresa não fosse a de operar tantos serviços, provavelmente estaria dedicada só aos tráfegos rentáveis (que os há) e com uma estrutura muito mais pequena. Em vez de alcançar um resultado líquido de 2 ou 3% das suas receitas totais, talvez alcançasse valores de rentabilidade até mais expressivos.
Já quanto à injecção de capital, importa novamente clarificar que os 3.200 milhões de Euros são o resultado de cinquenta anos de oferta deficitária imposta pelo Estado sem a devida remuneração, gerando catastróficos défices anuais que o Estado sempre foi empurrando com a barriga e dizendo à CP para financiar com mais dívida. A sua responsabilidade é maioritariamente do Estado – a outra parte será da má gestão, que não tendo eu dúvidas que existiu em grandes quantidades, também não duvido que face à estrutura de custos de uma empresa ferroviária serão minoritários no bolo de dívida. Hoje, boa parte da dívida da CP é inclusivamente ao Estado, que em vez de subsidiar directamente a oferta, exigia à CP que se endividasse junto de si, provavelmente apenas e só para manter uma trela apertada e discricionária na sua gestão.
Sobre este tema, aconselho leitura de post anterior, onde se percebe porque chegámos aqui: 40 anos de políticas ferroviárias em Portugal – Planeamento e Operações (portugalferroviario.net)