Longo Curso em Lisboa

Longo Curso em Lisboa

7 Maio, 2023 3 Por Joao Cunha

Parece ser um facto aceite de que Lisboa tem uma grande estação unificadora da área metropolitana na estação do Oriente. Tal não podia ser mais falso e já hoje é tarde para cedermos à óbvia realidade de que o serviço de longo curso em Lisboa precisa de servir directamente a área ocidental da AML.

Antecedentes e indicadores avançados

O terminal preferencial para o Longo Curso em Lisboa era a estação do Rossio, apesar do Cais dos Soldados (hoje Santa Apolónia) se ter assumido desde cedo como uma espécie de futuro inevitável para os comboios da linha do Norte. Nessa época, o centro da cidade de Lisboa era tudo o que interessava, a concorrência com o comboio era pequena – não era preciso lutar muito para afirmar a competitividade, a mobilidade era muito escassa, e por aí fora.

Desde tempos imemoriais que um dos projectos pedidos e nunca realizados era o de ligar o Cais do Sodré a Santa Apolónia. Talvez não para levar o longo curso até à linha de Cascais, mas pelo menos para conseguir abrir toda a linha de Cascais ao terminal de longo curso de Santa Apolónia. A propósito, o Sud Expresso quando arrancou, e durante várias décadas, tinha uma carruagem a iniciar serviço no Estoril – uma primeira imagem dos caminhos de ferro a tentarem entrar num segmento de mercado muito específico, colocando o comboio a parar à porta.

Desde 1999, com a abertura do trânsito ferroviário na ponte 25 de Abril, que a CP colocou um Alfa Pendular a iniciar no Pragal, servindo Entrecampos, situação reforçada a partir de 2004 com os serviços Intercidades e Alfa para Sul a pararem nessa estação, com os Intercidades a somarem ainda a estação de Sete Rios. A grande conveniência de servir estações que interceptam linhas de metro várias foi evidente.

Um indicador avançado mais recente é o pedido de canais horários da B-Rail para comboios Lisboa – Porto. A iniciar onde? Em Sete Rios. Porquê? Pelo que é dito na última frase do parágrafo anterior e para fazer ligação com o terminal rodoviário de Sete Rios.

Empresas como a Gipsy já operam autocarros Lisboa – Porto com origem em Cascais e Sintra, aproximando assim os serviços dos pólos geradores de tráfego, que estão bem longe de se resumir à cidade de Lisboa ou à zona oriental da AML, a zona que é servida directamente pela estação do Oriente ou mesmo por Santa Apolónia.

A faixa ocidental da AML e o horizonte 2030

A faixa ocidental da AML tem os concelhos mais populosos da AML (Amadora, Oeiras, Sintra, Cascais), os concelhos com mais população a viajar de transportes públicos (Amadora, Sintra) e os concelhos com nível de vida mais elevado (Oeiras, Cascais).

Realisticamente, a atracção da zona situada perto da linha de Cascais a serviços ferroviários de Longo Curso é actualmente conseguida com recurso a automóveis, fundamentalmente ancorando na estação do Oriente, a que tem mais condições para o tráfego automóvel.

No caso da faixa orientada a Sintra ou ao eixo que podemos designar como o eixo da A5, o automóvel e o comboio da linha de Sintra convergem para a estação do Oriente, também. Da Margem Sul ocidental, a alternativa é cruzar toda a cidade de Lisboa de comboio (com transbordo no Areeiro / Entrecampos) ou de carro, ou ainda cruzar toda a margem Sul de carro para passar o rio na ponte Vasco da Gama e chegar ao Oriente.

Um dos factores mais relevantes na escolha modal é a existência de transbordos e a sua conveniência. No acesso a comboios de Longo Curso, é também comprovado que as pessoas preferem ir o mais longe possível no comboio de Longo Curso antes de trocarem para o comboio urbano que fará o “last mile”, mesmo que a velocidade não seja significativamente diferente e existindo transbordo conveniente em qualquer caso.

Até 2030, estão prometidos alguns acertos na estrutura ferroviária da AML. Desde logo, com a chegada da alta velocidade, a estação do Oriente será ampliada para acolher os comboios de alta velocidade e o longo curso regressará às linhas do lado poente, com continuação natural para a linha de Cintura.

A linha de Cintura será quadruplicada no troço que falta, descomplicando decisivamente o tráfego ferroviário. A Fertagus é previsível que passe a utilizar a estação do Oriente e que a linha 3 do Areeiro passe a ser uma via normal de circulação, potencialmente libertando essa linha para a transformar na segunda via dupla da Cintura que, com os fly-overs de Braço de Prata, pode permitir um fluxo de tráfego fluído e regular, sem grandes cruzamentos de nível como hoje acontece para os comboios de longo curso entre Sete Rios e Entrecampos.

A linha de Cascais será integrada na Cintura, com o desnivelamento de Alcântara, e os seus comboios irão também até ao Oriente, senão mesmo até à Azambuja.

Alta Velocidade em Lisboa não pode ter serviços mínimos

A Área Metropolitana do Porto vai ter dois pólos fundamentais de distribuição e atracção de tráfego – a estação de Porto Campanhã, fundamental para toda a zona Oriental e Norte do Porto, e a estação de Santo Ovídio, para servir Gaia e toda a zona Ocidental do Porto, contando com o Metro do Porto.

Já na AML, apesar da sua dimensão populacional ser quase o dobro, o único plano conhecido é o terminal na estação do Oriente, excêntrica e longe dos maiores pólos geradores de tráfego da AML. Sabendo-se que a conveniência e proximidade são elementos chave para deixar o carro em casa, não se pode aceitar que a alta velocidade e o novo figurino dos serviços de Longo Curso assentem nas mesmas bases históricas do tráfego ferroviário em Lisboa, de proximidade mínima.

Com a quadruplicação da linha de Cintura, fica o caminho aberto para que todo esse corredor seja um tapete rolante de comboios suburbanos e de Longo Curso que permitam a melhor simbiose – os comboios de longo curso oferecerem soluções mais próximas e os comboios urbanos poderem servir a densa malha da cidade.

Falta mais do que um piscar de olhos para toda a imensa faixa que vai de Sesimbra, Almada, até Cascais, Oeiras, Sintra e Amadora, que hoje em dia têm de percorrer demasiados quilómetros, independentemente do meio escolhido, para encontrarem um comboio de Longo Curso rumo ao Norte. Com isso, alguma clientela potencial é perdida para os automóveis e autocarros, prejudicando o meio ferroviário mas também os objectivos do país para transferência modal.

É fundamental virar a mesa.

Que soluções existem?

A solução histórica era uma nova estação na zona do Rego, que pudesse servir como estação central de Lisboa. Mais recentemente, apontou-se similar objectivo para o vale de Chelas. Mas numa Área Metropolitana muito dispersa como a de Lisboa, ter uma grande estação Central será mesmo prioritário ou o que mais interessa?

De facto, o maior interesse será contar com um terminal de longo curso em cada uma das extremidades da cidade de Lisboa, para servir as faixas de território a elas contíguas. Se já existe o Oriente na zona Oriental, falta claramente um terminal na zona Ocidental. A meio, Entrecampos é a estação ideal para servir a cidade de Lisboa. As outras servirão sobretudo para os subúrbios.

Para não complicarmos demasiado as contas, existem três localizações possíveis, que se encontram nas extremidades dos eixos ferroviários suburbanos que apontam à Margem Sul, Cascais e Sintra, e próximos também da convergência dos grandes eixos rodoviários que abastecem essas faixas de território.

Sete Rios, Campolide e Alcântara-Terra não são apenas estações colaterais da linha de Cintura, são também as três localizações apetecíveis para colocar o términus dos comboios de Longo Curso com destino ao Norte. Destas, podemos excluir desde já Sete Rios, por impossibilidade de expansão da estação, já exígua.

Alcântara-Terra

A estação de Alcântara-Terra perderá a sua vocação para transporte suburbano até 2030, quando a nova estação de Alcântara-Terra abrir já enterrada, na continuação da interligação da linha de Cascais.

O actual espaço ferroviário, considerado entre o limite Norte da cobertura da estação e o túnel consegue ter um espaço de cerca de 70 metros de largura e cerca de 220 de comprimento, antes de se chegar à faixa exígua de cerca de 150 metros para afunilamento para o túnel.

A largura é semelhante à ocupada pela estação do Oriente (8 vias com plataformas largas) mas o comprimento fica aquém dos 300 metros de plataformas da estação do Oriente, e ainda mais dos 400 que a estação terá para acolher a alta velocidade.

Desengane-se quem acha que os 400 metros são um exagero. No salto para a alta velocidade, as composições constroem-se em múltiplos de 200 metros, pelo que um TGV em dupla são 400 metros, no less.

Existem ainda espaços para algum estacionamento e silos automóveis, por exemplo relocalizando o banco alimentar contra a fome.

A grande vantagem de Alcântara seria a interligação mais próxima com a linha de Cascais, com a linha de Metro que ali chegará nos próximos anos e pela proximidade com o acesso rodoviário à ponte 25 de Abril. Já para interligação com o eixo Norte-Sul ferroviário e com a linha de Sintra, os passageiros aproveitariam antes a estação de Entrecampos / Sete Rios, no caminho para o terminal de Alcântara.

Nesta estação, pode ser aproveitada a estação histórica e respectiva cobertura para albergarem o essencial do terminal de passageiros e as infraestruturas de ligação à estação de Metro, à estação da ligação da Linha de Cascais e aos autocarros – seria uma estação clássica “en cul de sac”.

Campolide

Esta localização é um sacramento para a CP. O mais antigo depósito de longo curso do país é há largas décadas a casa da mais relevante frota de comboios do serviço urbano de Lisboa e além do parque contém também um torno de fosso e oficinas, além de um antigo dormitório e outros serviços.

Desde 1999, acolhe um novo edifício que liga a dita estação de Campolide-A (que serve a linha de Cintura) e a estação da linha de Sintra, com continuação para o Rossio.

A faixa aproveitável começa sensivelmente na extremidade das oficinas das locomotivas, com cerca de 85 metros de largura disponíveis até à via dupla para o Rossio (que se terá de manter, claro). Daí até à extremidade norte do torno de fosso, têm-se cerca de 410 metros aproveitáveis, ideais portanto para o tipo de plataformas que temos de ter para o Longo Curso no futuro – pelo menos, para algumas delas.

A maior dificuldade em Campolide é a existência da linha de Sintra entre este local onde poderia ser feita a nova estação de Longo Curso e a linha de Cintura, para os comboios se dirigirão. A solução construtiva não é simples, mas o ideal seria aproveitar que a linha de Sintra chega a Campolide a cota baixa, e mantendo-a aí o terminal suburbano podia estar enterrado, subindo só ao nível da boca do túnel do Rossio, libertando espaço para alargar ainda mais a estação de Longo Curso (não é estritamente necessário) mas sobretudo facilitando o cruzamento com as vias da Cintura.

A eventual implantação da estação de Longo Curso em cota ligeiramente superior à do parque actual até podia permitir o fácil desnivelamento dos cruzamentos com a linha de Cintura, para entrada e saída dos comboios, aliviando o plano de vias e saturação.

A ideia, claro, seria trocar os usos de Santa Apolónia e Campolide – troca directa. Para Santa Apolónia sairia o parque de unidades suburbanas, o torno de fosso e as oficinas, e de Santa Apolónia chegariam as composições de Longo Curso convencionais – as de alta velocidade terão um parque nas proximidades do Oriente. Sobrariam ainda, do actual layout, 8 a 10 linhas de parque para o material convencional, amplamente suficiente. Seria também mantido o gaveto para manobras no parque, cujo comprimento pode ser aumentado pela simplificação de itinerários com a desaparição das oficinas e com o desnivelamento da linha de Sintra.

A grande vantagem de Campolide é reunir na mesma estação o transbordo simultâneo mais Ocidental da AML em direcção à Margem Sul, Cascais e Sintra, todas servidas nesta estação por comboios urbanos. As três auto-estradas equivalentes encontram-se também nas imediações – IC19 (Radial de Benfica), A5 e A2, podendo a reestruturação das vias rodoviárias permitir a edificação de estacionamento e de paragens de autocarro.

A maior desvantagem será não ter Metro, mas defendo que não é um óbice suficientemente grave para contrariar todas as vantagens. O Metro serve a cidade de Lisboa, e tanto Oriente como Entrecampos interceptam linhas de Metro, podendo Campolide actuar como terminal suburbano, que verdadeiramente o é. Acresce que este tipo de estações tem de estar bem preparada para tráfego rodoviário individual, que será sempre relevante.

Como nota, a extremidade Norte das plataformas de Campolide ficará tão perto da estação de Sete Rios como das plataformas de Campolide servidas pela Fertagus. Da extremidade Norte da estação, construindo um interface mecanizado, é possível servir o terminal rodoviário de Longo Curso de Sete Rios, cruzar a linha azul do Metro e servir a estação ferroviária – uma espécie de Chatelet-les-Halles, Paris, mas ainda assim com menos 30 ou 40% de trajectos pedonais a realizar. Totalmente viável.

Em Campolide o ideal de terminal de passageiros é a ampliação do edifício para cima das plataformas dos comboios, com um potencial para instalação de serviços de grande nível e dimensionamento.

A gare do Ocidente

Elaborei o seguinte quadro resumo para comparar as duas opções.

O dimensionamento das plataformas é desde logo factor eliminatório, pois não é possível cabimentar uma operação ferroviária de longo curso adaptada aos tempos actuais sem um dimensionamento adequado – pelo menos 2 a 3 linhas devem ter 400 metros de plataforma, condição impossível de satisfazer em Alcântara – só seria possível se não existissem mais linhas ao lado, pois as plataformas iriam cortar os possíveis itinerários de acesso às restantes linhas. Mesmo três linhas são insuficientes para uma estação deste estilo e, também por incompatibilidade de itinerários, eliminariam também espaço de parque de veículos em zona lateral. Aponto o dimensionamento mínimo para 6 a 8 linhas com plataforma.

Dada a tipologia da estação e o tipo de procura que irá satisfazer, e dado que os comboios de Longo Curso a sairem da Gare do Ocidente pararão sempre em Entrecampos e Gare do Oriente, não me parece de todo fundamental que acessos por ferrovia ligeira tenham de existir, como já mencionei anteriormente.

Por tudo isto, a opção Campolide parece ser a que, de longe, mais se adapta às necessidades territoriais e da operação de Longo Curso. Santa Apolónia seria uma estação certa para manter comboios urbanos e regionais, e incorporaria ainda o parque de unidades suburbanas de Lisboa e oficinas de manutenção. Em Campolide existiriam apenas algumas linhas para parqueamento do material convencional dos serviços de Longo Curso, ficando os comboios de alta velocidade parqueados no futuro PMO de Lisboa-Oriente, a poucos quilómetros de distância.

Posto isto, não será altura de lançar esta discussão? Uma Área metropolitana de 3 milhões de pessoas não pode ficar limitada a uma estação numa das suas extremidades.