
Não exijam à CP que resolva os seus problemas
Agora que já tenho a vossa atenção, dou-vos a minha perspectiva sobre mais uma greve que assola a CP. Desta vez nem procurei perceber concretamente o que a motiva, se é mais justa ou menos justa, porque há muito que o tema não é se o detalhe que motiva uma greve é suficiente ou não – é a volatilidade gigantesca da operação da CP e a elevadíssima conflitualidade laboral, suficiente para fechar muitas empresas por si só.
Ora é preciso entender que a CP é uma empresa com pelo menos 17 sindicatos activos, com um modelo operacional totalmente cristalizado no tempo, sem reais ferramentas de gestão de recursos humanos e que institucionalmente é pouco mais que uma repartição pública que, por acaso, opera comboios. Sem capacidade negocial do lado governamental – que decorre do facto do governo estar em gestão – qual é o objectivo de lançar uma greve nesta altura, antes de eleições? Temo bem que não atinja os objectivos pretendidos, uma rápida vista de olhos pelas redes sociais no dia de hoje diz-nos que a população está farta de uma CP assim.
Não sendo a CP verdadeiramente uma empresa – em toda a dimensão que essa palavra acarreta – não é realmente possível exigir à mesma entidade que resolva os problemas fundamentais que causam tanta conflitualidade e tanta disrupção na sua operação. O problema é pura e simplesmente político, e é aos decisores executivos que compete assumirem escolhas que estruturalmente resolvam este enorme problema que temos no país, impactando especialmente as pessoas com menos possibilidades de encontrarem alternativas – poucas políticas haverão que sejam mais progressistas do que por um caminho de ferro a funcionar.
É evidente que com recursos finitos é preciso garantir uma gestão capacitada, que passa em primeiro lugar por a CP ser uma empresa a sério. Em tempo de eleições seria interessante tentar perceber o que honestamente pensam os principais políticos candidatos ao lugar governamental máximo. Nos programas todos coincidem com a necessidade da plena autonomia e da transformação em sociedade anónima, mas o líder da oposição foi ministro da pasta durante 4 anos sempre a falar neste tema e saiu sem qualquer trabalho feito, a que ainda se somou mais um ano do seu secretário de estado para a matéria. O primeiro ministro em funções até propôs reformas mais profundas em 2024, mas passado um ano nem a singela alteração para sociedade anónima avançou. Será de perguntar – se é unânime, porque é que não é feito?
Será pela noção de que, com as obrigações de uma empresa normal, a CP ou não resiste muito tempo ou obrigará o estado a um bailout rápido? Será a conversa da sustentabilidade financeira uma treta? Será que os mesmos políticos que falam da autonomização de gestão são os primeiros a não confiar na existência de uma CP autónoma? Quem resolverá o evidente problema da existência de sindicatos para tudo e com todo o tipo de agendas, muito certamente nem sempre alinhadas com o propósito último de cada profissional da casa – servir o cliente? Como se muda uma empresa com uma estrutura tão pouco vista em empresas de transportes na sua divisão entre pessoal operacional e não operacional? Os quadros que os partidos foram colocando na empresa serão uma solução ou um passivo da empresa? Como se reestrutura?
Não há maior dor do que a minha de ver a CP num estado de inviabilidade prática. Sei que muitas pessoas se zangam comigo, mas defender a CP não é defender esta CP. Querer que a empresa trabalhe melhor não é dizer que individualmente as pessoas da CP não trabalham bem. Mas a máquina não está a funcionar, e não é de agora. E não se podem esperar milagres de sucessivos conselhos de administração, mal pagos, sem ferramentas reais nem suporte político para fazerem diferente.
O problema é apenas político. Pode passar por reformar a empresa tal como está, pode passar por fazê-lo após autonomização, pode passar até por assumir a CP como um corpo da administração pública e separar a operação, sujeita a concessões como acontece em países como a Suécia ou a Noruega, pode passar por uma privatização e pode até passar pela extinção e abertura de outra empresa. Mas o problema é antes de mais político e não tem nada a ver com a reinvindicação A ou B de cada dia.
Não estará na altura dos políticos mostrarem as mãos? Estamos a caminho de eleições onde sobretudo a principal oposição conhece e teve muito tempo para resolver o tema, o que aprendeu? O que defendeu nos gabinetes à porta fechada? Que conclusões tirou dos não conseguimentos de vários anos? Tudo pode ser importante ser trazido à praça pública para que o país possa de facto contar com um serviço ferroviário fiável, consistente e que além do mais possa albergar trabalhadores realizados, briosos e orgulhosos da camisola que vestem. Como está, não serve a ninguém – perdemos todos.